Mas o que mais me maravilha é o permanente apelo à imaginação. Um pequeno ramo seco, mesmo sem folhas, é vassoura. E, de repente, este galho feito "brinquedo-que-não-é" ganha uma vida e uma importância, aos olhos daquela criança, que suplanta os "brinquedos-verdadeiros" que traz à cintura.
Quem quer que assista ao passeio matinal daquelas duas pessoas que falam e brincam como se estivessem sozinhas num jardim feito palco, vê nas mãos da criança a vassoura, feita com as suas próprias texturas e cores imaginárias.
Ao ver esta mãe que ensina à sua criança que há uma infinidade de searas e campos, rios e mar, pássaros e aviões, sol, lua e estrelas, bolas e vassouras, à espera de serem descobertas, e lhe ensina que há infinidade de brinquedos onde outras pessoas só viam folhas e galhos, pedras e torrões, relva e balões, não posso deixar de sorrir e sonhar.
Em frente daquele duo sou transportado para a minha própria infância, para tempos de que não me lembro mas que constituem as fundações da minha memória, tempos de cheiro a relva cortada, a areia da praia, a mar e limos, a folhas secas e terra molhada. Naquelas duas almas revejo-me, bem como à minha mãe, volto ao tempo em que usava jardineiras curtas povoadas por escavadoras amarelas e tratores vermelhos.
A minha mãe também tem esta incrível capacidade de ensino do uso da imaginação. Apesar de trabalhar numa outra margem, no verão optava por dormir um pouco menos e saía para fazer um horário que lhe permitisse chegar mais cedo a casa, a tempo de brincar com as suas crianças, de inventar jogos, de passear no parque ou ir à praia, de ir Jardim ou ao Bairro Novo comer um gelado comemorativo do início de férias. Pela sua mão, os patos e cisnes do jardim foram navios, os cães foram mamutes e camelos, qualquer frase era o início de uma estória à espera de ser contada.
Se, mais tarde, um cobertor foi nave espacial e os livros me levaram à volta de inúmeros mundos, carregadas de imagens vívidas, devo-lho a ela, que me ensinou o valor infinito das palavras, mas também ao meu pai, que conseguiu sempre, com meia-dúzia de traços, fazer ver-me tudo o que pretendia e que os desenhos, tal como a beleza, estão nos olhos (e na imaginação) de quem sabe (e quer) ver.
Naquela terça-feira de Carnaval, naquele jardim do Funchal, a atriz, contadora de histórias, animadora excelentíssima (felizmente bem conhecida no Funchal pela sua competência), que apelava com bastante sucesso à imaginação da sua criança, trouxe-me por momentos o imaginário da criança que fui e que gostaria de passar à minha própria.
Hoje, ao lembrar-me disso, deu-me a hipótese de mandar este beijinho escrito à minha mãe. Estou certo, que não se importará que o partilhe também contigo, cara amiga.