Um ano antes da queda do regime do Estado Novo, Francisco Sá Carneiro renunciava ao seu mandato de deputado independente na então Assembleia Nacional e denunciou todos os entraves que as suas iniciativas legislativas sofreram, sendo sistematicamente declaradas “inconvenientes” pelo regime. Mesmo no constrangimento autoritário da ditadura, Francisco Sá Carneiro teve a audácia de propor eleições livres para a Presidência da República, propôs a liberdade de imprensa e o fim dos presos políticos.
Assim, a 25 de janeiro de 1973, Francisco Sá Carneiro concluiu “não poder continuar no desempenho do meu mandato sem quebra da minha dignidade, por inexistência do mínimo de condições de atuação livre e útil que reputo essencial”. Um ano antes da Revolução de Abril, Sá Carneiro continuava a ambicionar a democracia para um país que sofria sob a sombra da ditadura mais longa da Europa ocidental.
Após o 25 de abril de 1974, Francisco Sá Carneiro imprimiu a sua longa oposição à ditadura na fundação de um novo partido. O PSD que nasce a partir das verdades inconvenientes de Sá Carneiro foi essencial para a solidificação democrática do nosso país ao longo dos tempos, um trabalho que fez em conjunto com os restantes partidos políticos democráticos.
A poucos dias de celebrar o 50º aniversário da Revolução dos Cravos, vivemos num país objetivamente melhor, mais livre e mais desenvolvido que a herança salazarenta deixou naquela madrugada de abril. Contudo, os desafios da política contemporânea demonstram que a função dos partidos é renovar-se todos os dias, procurando ativamente perguntas inconvenientes, mesmo que se obtenham verdades e respostas inconvenientes. Parar este processo significa acomodar-se ao status quo, correndo o sério risco de ser ultrapassado pela concorrência política.
Discute-se hoje no XIX Congresso do PSD-Madeira o rumo do partido, num contexto de eleições antecipadas e um mosaico partidário particularmente complexo. Reduzir o congresso à mera tomada de posse de órgãos seria desvirtuar o verdadeiro objetivo da reunião magna de militantes: estruturar a estratégia e debater a base ideológica do partido. A social democracia portuguesa cujo propósito de desenvolvimento social assenta nas bases da justiça da redistribuição, da progressividade fiscal e da libertação integral do cidadão através da prática dos valores do Estado de Direito e da experiência da social-democracia.
Princípios os quais são completamente opostos à prática política que se assiste na extrema direita. A mesma que tenta aparentar polidez nos seus estatutos, mas depois, na práxis e discurso dos seus protagonistas, se transforma no seu contrário, promovendo o ódio entre as pessoas, a xenofobia, a anti-autonomia, o autoritarismo e a misoginia. Pede-se assim a clarificação do PSD face à incompatibilização entre os valores social-democratas e os saudosistas do Estado Novo que já se sentam na ALRAM. Tal como Sá Carneiro afirmou em 1977, “A democracia é, no fundo, o esforço constante e diário, na luta contra a ditadura, da preservação da liberdade, contra qualquer espécie de ditadura, seja ela de esquerda ou de direita”.
Os estatutos são claros: “O PSD-Madeira rege-se pelo respeito da democraticidade e pluralismo internos”. Este artigo 3º assenta na defesa da liberdade do militante, liberdade que deve ser exercida nos atos internos e externos ao partido. A verdadeira liberdade será sempre inconveniente para alguns, mas sempre fundamental para a nossa democracia.