É frequente ouvir-se nos dias de hoje que até o tempo já não é o que era. Noutros tempos percebíamos bem as estações do ano. Dava bem para distinguir a primavera, o verão, o outono e o inverno.
Nessa altura quase nem ouvíamos falar de previsões meteorológicas. Muito menos se ouvia falar em avisos vermelhos, amarelos ou de outra coisa qualquer. Basicamente o tempo chegava e íamos apanhando com as consequências, sem que houvesse qualquer alerta fosse de que entidade fosse.
Nesse tempo as previsões vinham sobretudo da experiência dos mais velhos. Gente que sabia ler os sinais do tempo. Recordo-me de ouvir "alguns entendidos" a falar sobre o que aí vinha. Olhando para as nuvens e para a montanha, era frequente ouvir dizer que o tempo estava ali do lado do "boqueirão" que seria sinal de chuva e vento que aí vinha. Essas previsões até eram levadas minimamente a sério. Nessa altura as estações do ano estavam bem delimitadas no tempo.
Agora está tudo mudado e parece que já nem há inverno.
Nos meus tempos de infância esta era a estação mais dura do ano. Os dias eram curtos, bastante frios e escuros. Em Santana dava para sentir bem o que era o inverno caracterizado por dias, semanas e por vezes meses de chuva e frio.
Um estado do tempo que atrapalhava e de que maneira a vida no campo. Era difícil cuidar da fazenda e dos animais. Os caminhos ficavam completamente enlameados, alagados. As levadas de rega ficavam completamente entupidas, transbordando para os caminhos, lameiro, pedras e galhos de árvores. Os ventos fortes arrancavam árvores e por vezes danificavam o restolho das casas de palha.
Nesse tempo ir à escola por vezes era o cabo das tormentas. Saímos de casa molhados e chegávamos a casa da mesma forma. Nesse tempo não me recordo de ter um guarda-chuva. Quem ia à fazenda improvisava uma protecção com uma saca de lona. Ou até com uma grande folha de inhame em jeito de chapéu.
Por mais rigoroso que fosse o inverno, com muita chuva, muito vento e imenso frio, lá tínhamos de ir à escola. Recordo-me de alguns colegas que viviam em zonas onde havia córregos e pequenas ribeiras que era necessário atravessar, mas ainda assim ninguém faltava à escola. A chuva intensa durava longos dias. Durante a noite chovia sem parar, vento e trovoada forte, temperaturas baixas. De manhã, ainda a chover, levantávamo-nos e lá íamos para a escola. Era um sacrifício tão grande, estar no quentinho da cama e ter de se levantar para ir para a escola. Custava imenso, mas tinha de ser. Não me passava pela cabeça dizer aos meus pais que não queria ir à escola porque estava a chover. Isso estava fora de questão. E os meus pais nem iriam permitir outra coisa. As roupas eram reforçadas, usávamos botas de água, gabardina, - se houvesse - calças grossas, pulôver quente. Apesar de tudo tínhamos de ir agasalhados. Nem todos tinham roupas apropriadas para o mau tempo. Era o que havia.
Havia quem usasse uma saca de lona para colocar na cabeça por forma a se proteger da chuva. Com a roupa molhada e as botas com lameiro, a aula prosseguia e com o passar das horas a roupa secava no corpo de forma natural.
Nesse tempo as escolas não tinham aquecedores. As paredes da escola eram frias e húmidas. No regresso a casa, por vezes apanhávamos outra chuvada.
Chegávamos a casa todos molhados e a única coisa que fazíamos era mudar de roupa. O banho quente era quase luxo. A minha mãe aquecia água deitava numa banheira e lavávamos o essencial.
Mesmo assim, guardo com saudade as noites de inverno rigoroso. Lá em casa deitados na cama, com um peso de cobertores em cima, ouvíamos o som da chuva forte e o vento assobiando. Por vezes assustados, mas até era bom para dormir sentindo o que ia lá fora.
Gil Rosa escreve
à quinta-feira, de 4 em 4 semanas