Quando questionado sobre se temia as consequências de citar dezenas de nomes, tanto de pessoas como de instituições no seu livro respondeu que, apesar de estar seguro e documentado sobre tudo o que escreveu, estava habituado a estar "metido em trabalhos, porque é isso que acontece a todos os que denunciam a corrupção". O que não podia ser mais verdade!
Infelizmente, normalizou-se a perseguição a todos aqueles que têm intervenção cívica, sob o silêncio da opinião pública. Que das duas uma, tem medo de se manifestar ou não se interessa em proteger o Estado de Direito. Muitos cidadãos acabam por ser coniventes, arrastados para a imensidão da corrupção, mesmo que à pequena escala por uma questão de sobrevivência.
Num país norteado pelo clientelismo, jeitinho e favorecimento. Não tenhamos dúvidas que a corrupção se tornou um mal endémico, porque aparentemente transformou-se num modo de vida praticamente imprescindível à sobrevivência no nosso país. Quantas vezes já ouvimos aquela frase: "se eu estivesse lá, também fazia igual".
Denunciar qualquer tipo de irregularidade em Portugal é abrir a porta para uma infinidade de sarilhos, sobretudo para o autor da denúncia. Parece que todas as estruturas de poder se mancomunam para neutralizar este tipo de vozes, quase como se fosse um género de "chibos" ou "bufos" da PIDE. Considerados uns empecilhos que urge neutralizar e desacreditar.
A lei acaba por ser um tigre de papel e os cidadãos tornam-se vítimas das denúncias que fizeram, servindo como exemplo, tendo um efeito dissuasor para os demais. Vinga a cultura do silêncio.
Não existe proteção aos denunciantes que ficam vulneráveis aos mecanismos legais de proteção da imagem pública e da honra, como os crimes de difamação e injúria. Providencia-se aos agentes apontados na denúncia os meios necessários para agirem contra as alegações que considerem injustas, sem estabelecer o mesmo direito de proteção aos denunciantes contra as retaliações.
Eu também já tive a minha dose de "trabalhos" juntamento com os meus colegas de partido. Aprendemos da pior maneira em que regime vivemos, às mãos da chamada "justiça" regional.
Convém estar em bons termos com o sistema judicial. Que o diga António Costa que em 2019, aprovou as reivindicações salariais dos magistrados judiciais, contemplando aumentos para os juízes que podem ascender aos 700 euros. O mesmo governo que curiosamente preferiu ter o Orçamento de 2022 chumbado e ir a eleições novamente, do que aumentar o salário mínimo de 665 euros para 850 euros.
Não é por acaso que o ex-presidente da República Ramalho Eanes, no âmbito de uma conferência intitulada "Portugal — a crise e o futuro" traçou um retrato do país, apontando para uma grave "crise moral" que atravessa as estruturas de poder. Desde os tribunais às forças armadas, classe política chegando à própria administração pública e à sociedade civil, uma "epidemia de corrupção" que grassa fruto de uma "cultura de complacência" generalizada.
Se analisarmos bem, a transformação cultural é talvez a mudança mais difícil de concretizar. É por isso que mesmo mudando de partido político, de ideologia, de regime - pouco se transforma, porque culturalmente continuamos os mesmos. A ideia de criar um Homem Novo, implica um trabalho educacional de gerações.