No dia em que escrevo, passeei com as minhas filhas no jardim botânico de Estrasburgo. Vimos muitas plantas de origem asiática, elas andaram por entre os juncos, vimos o diospireiro pejado de frutos, o que me pareceu ser um azevinho e o tempo que passa nas árvores de folha caduca que atapetavam o chão. Infelizmente, o sininho do guarda que anuncia o fecho do jardim soou antes de podermos, na estufa tropical, ver algumas das plantas que me lembram a Madeira.
Na banca de Madagáscar - que promove um projecto de apoio a crianças no país - do mercado de Natal alsaciano de Andlau, comprámos uma tartaruga feita de pedra-pomes, uma rocha vulcânica muito utilizada para retirar a pele envelhecida. Uma das senhoras reconheceu-me pelo meu sotaque. Outra explicou-nos que apostaram em formação para algumas mulheres malgaxes confeccionarem alguns dos produtos que agora vendiam, proporcionando-lhes também uma fonte de rendimento. Andlau demonstra que, na solidariedade, ninguém é periférico.
A situação em Gaza - um território com cerca de metade do da Ilha da Madeira e com quase dez vezes mais população - mantém-se dramática. As tropas israelitas entraram no maior hospital daquele território, Al-Shifa, já sem oxigénio e sem combustível para a electricidade, levando à transferência de bebés prematuros e à morte prematura de oito destes. Há dias, ouvi uma reportagem arrepiante no podcast The Daily do New York Times, intitulada «The Doctors of Gaza» (Os Médicos de Gaza), que recolheu testemunhos de médicos que operam na Faixa de Gaza. Muitos trabalham 18 horas por dia, em condições inaceitáveis, assumindo por vezes o papel impossível de determinar quem vive. No passado Domingo, milhares de pessoas juntaram-se à marcha silenciosa pela paz, em Paris, convocada pela artista belga com raízes marroquinas, Lubna Azabal, acompanhada de centenas de artistas. Partiu do Instituto do Mundo Árabe, onde está patente a exposição O que a Palestina contribui para o mundo, até ao Museu de Arte e de História do Judaísmo, que alberga uma retrospectiva da obra de Joann Sfar, autor da conhecida série de banda desenhada O Gato do Rabino. Como Lubna disse: uma marcha silenciosa para que se possa ouvir a voz da união.
Camilla Costa, uma amiga e jornalista brasileira que actualmente trabalha para a BBC, informou-nos há dias da sua mui interessante reportagem na BBC Brasil: «Quantas são as línguas indígenas do Brasil, onde são faladas e quem as ameaça?». Começa assim o artigo: «O território brasileiro abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando chegaram os europeus». Nunca me esqueço da violência implicada na colonização portuguesa, e de que «dar novos mundos ao mundo» também implicou mortificar vários mundos que o mundo já tinha, também do ponto de vista linguístico. Espero, contudo, que o índio continue a despir a língua portuguesa. A talho de foice, o último número especial do Courrier International tem por temática «La bataille des langues» (A batalha das línguas).
No entretanto, Sara Tavares foi-se. Ainda lhe faltavam muitas coisas bunitas e crioulo para criar. Infelizmente, a Argentina tropeçou no engodo da inflação do populismo e do autoritarismo. Tem-te-não-caias.