No entanto, há excepções como Lucas Santtana, que lançou, em 2019, Ninguém solta a mão de ninguém e que refere que, «[n]um país onde poucas pessoas lêem, as letras das canções tinham a responsabilidade de explicar e de educar a população». Além disso, Chico César denuncia na canção Bolsominions «a bolsa de valores sem valores» e participa, conjuntamente com outro artistas brasileiros, no «Hino» ao Inominável, onde se compilam algumas das piores tiradas do presidente em exercício. No dia 30 deste mês, espero muito do povo brasileiro, e que João Selva veja a sua canção «Se Acabou [/Fora Bolsonaro]» ganhar vida.
Para que pudessem ser educados sem qualquer autoritarismo e fugir ao patriarcado, a mãe de Björk levou-a, e ao seu irmão, para fora da capital Reiquiavique. A última canção do seu mais recente álbum Fossora intitula-se Her Mother’s House (A casa de sua mãe), onde se ouve, por exemplo, «[o] espaço na tua voz […] mostra a escala da tua compaixão / o tom da tua voz / revela o espaço que dás aos outros […]». Parece que na maternidade sapiente, como na democracia, não é vociferando mas dando espaço ao outro - tanto maior quanto mais chegados somos - para que eles se nos possam revelar.
A escritora francesa Annie Ernaux ganhou o Prémio Nobel da Literatura. No pórtico do seu último livro publicado - Le Jeune Homme -, mas escrito entre 1998 e 2000, a autora diz que se não escreve, as coisas não foram até ao seu termo, foram apenas vividas. Neste livro, conta a relação amorosa que teve com um rapaz trinta anos mais novo até que a prevalência de um acontecimento muito anterior (aborto clandestino na França que o ilegalizava), que vai desenvolvendo pela escrita, a leva à ruptura. Muito dos seus temas sociais e de classe florescem no livro.
No mesmo dia em que - coisa rara - ouço falar português em Estrasburgo, teve lugar a última representação de Ifigénia, a peça de Eurípides reescrita por Tiago Rodrigues e com encenação de Anne Théron. Há uma reconstituição da memória e uma questão central: as mulheres dizem que se pode escolher outra via que não o poder, a guerra, o crime, elas dizem não. Ifigénia morrerá mas - ao contrário do original - em mulher a quem a sua morte lhe pertence. A encenadora escolheu o português como língua do amor entre Ifigénia e Aquiles. Que não fique só no palco!
No último Expresso, leio o escrito de José Tolentino Mendonça onde menciona que ao ouvir um violino escutou o mar. O violino de que fala foi fabricado por um mestre com a ajuda de reclusos com madeira proveniente de embarcações de fortuna que transportavam migrantes até Lampedusa, apesar de nem todos lá chegarem. Parafraseando Hemingway, e Raul Seixas: Por quem o violino toca?
Há dias, vi uma mensagem de Tiago Pereira - autor de A música portuguesa a gostar dela própria - alertando para as dificuldades económicas que atravessa a oficina madeirense de construção de cordofones do mestre Carlos Jorge, e do seu filho Henrique, que muito têm feito pela arte musical madeirense que se abre ao mundo. Há que ajudar a música, e a nossa memória futura dela, ajudando-os!
Se com a NASA percebemos que podemos mudar a trajectória de um corpo celeste, por que razão não poderíamos mudar a nossa?