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Artigo de Opinião

HISTÓRIAS DA MINHA HISTÓRIA

8/11/2024 08:00

Em tempos, tive uma gaiola com pássaros. Eram três periquitos de bico recurvo e plumagens em tom pastel. Um amarelo-luar; outro azul-céu, com névoa branca estendida sobre as asas, rematadas por um rendilhado de pontinhos negros; o terceiro era verde-tenro, com bochechas fulvas de sol. Irrequietos, inclinavam as cabecitas de um lado para o outro, fitando o mundo com os seus olhos brilhantes. Quando me aproximava, aumentavam o seu saltitar de poleiro em poleiro, possivelmente, antecipando um reforço de grãos e um recipiente de água fresca.

Alimentava-os, tratava da limpeza da gaiola e demorava-me a observá-los, talvez até lhes falasse, convencida de que os mantinha confortáveis e felizes. Achava-os lindíssimos e queria aumentar a minha coleção, o que implicava ter uma gaiola maior.

Numa oficina de ferreiro, encomendei a estrutura que, posteriormente, cobriria com rede de arame de medida adequada para, tanto quanto possível, não estorvar a visão sem, contudo, lhes permitir alguma tentativa de fuga, pois em liberdade morreriam.

Algumas vezes, olhando-os, questionei-me: viver em cativeiro ou morrer em liberdade, o que prefeririam eles? Optariam pela vertigem do voo e a exaltação de enfrentar o desconhecido, ou pelo conforto de um abrigo e a certeza de uma refeição sem esforço de conquista ou ameaça de predadores?

À primeira vista, na perspetiva humana, prevaleceria decerto o desejo de liberdade. No entanto, refletindo melhor, quantas vezes cerceamos a nossa liberdade por uma prisão que nos garante segurança ou outro benefício? Quantas vezes a liberdade nos assusta e um medo do desconhecido nos faz preferir os enredos das teias que nos são familiares? E, ainda assim, essa opção não deixa de ser um exercício de liberdade.

Para um pássaro, tais conceitos não existirão e as suas escolhas obedecem ao que a natureza lhe conferiu na componente genética. Para os humanos, tudo é mais complexo e a liberdade parece-nos que a temos. Quando assim não é, procuramos manter viva a esperança de a alcançarmos e cantamo-la como sonho maior, em poemas e canções em que o voo de pássaro é metáfora recorrente.

A autora norte-americana Maya Angelou escreveu: “Eu sei porque canta o pássaro na gaiola” (I know why the caged bird sings). O poema diz: “(...) O pássaro preso na gaiola canta/ com um trinado temeroso/ de coisas desconhecidas/ ainda que desejadas/ e a sua melodia é ouvida/ na colina distante/ pois o pássaro na gaiola/ canta sobre a liberdade (...)”. (1)

Nunca concluí o projeto de colecionar periquitos. A estrutura para a gaiola, em vez da prevista rede de arame, foi coberta com plantas que se enlearam nas suas cornucópias, indiferentes à ferrugem que o tempo lhe deixou. Passei a preferir o apaziguador chilreio dos pássaros da nossa terra. Menos coloridos do que os meus periquitos, mas igualmente belos. Aprendi que acordam de madrugada, muito antes do dia clarear. Pipilam em despiques que só eles entendem e afadigam-se a restolhar por entre as folhas do chão, em busca de alimento ou gravetos para ajeitar o ninho. Ouço-os e alegro-me porque cumprem a sua vida em plenitude, sem os limites das grades de uma gaiola.

Os pássaros cujos gorjeios entram pela minha janela não cantarão a liberdade, mas vivem-na, e isso é tão mais precioso.

(1)Texto original: “The caged bird sings/ with a fearful trill/ of things unknown/ but longed for still/ and his tune is heard/on the distant hill/ for the caged bird/ sings of freedom.

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