A sátira evidencia um polícia a treinar tiro em alvos com diferentes tonalidades o que motivou o desagrado entre as forças de segurança, alguns partidos políticos e até o Governo reagiu, alegando que o cartoon incita ao racismo e à violência. A PSP avançou inclusive com uma queixa-crime contra a RTP. É caso para se dizer que há coisas que não se brincam.
Não vou discutir a adequação do cartoon à sociedade portuguesa, nem a sua pertinência na televisão, nem mesmo a sua intenção. Vou-me restringir à realidade do cartoon, à liberdade criativa, de expressão.
Antes de mais, saliento que um cartoon na imprensa e na televisão é um espaço de opinião. Um cartoon representa uma hipérbole de uma determinada situação. É um desenho humorístico, animado ou não, de carácter crítico que retrata algo do dia a dia.
Exatamente como as crónicas de opinião. São textos de opinião, nada mais. No meu caso específico, escrevo sobre aquilo que penso sobre um determinado assunto. Na maioria das vezes, sobre aquilo que defendo ou que me inquieta. E o mais enriquecedor é poder escrever num espaço onde tenho particular autonomia e liberdade para expressar a minha opinião. Não uma notícia, mas sim um parecer ou uma reflexão.
O mesmo acontece com o cartoon. Não é uma notícia nem uma ilustração de uma notícia, mas sim um desenho que sintetiza a opinião de um autor sobre determinado acontecimento mediático.
No entanto, todo aquele que sai fora da caixa, do dito padrão é julgado, criticado e censurado. E este caso é um excelente exemplo disso.
Os autores do respetivo cartoon esclareceram que o mesmo se referia aos acontecimentos em França após a morte de um jovem magrebino e que não continha qualquer referência à polícia portuguesa. Este cartoon poderia ter mil interpretações. Mas os nossos ministros levaram para a interpretação que consideram ser a única que podia ser lida.
Este é um pensamento burro, pensar que só existe uma linguagem para um determinado assunto, ou melhor, que exista apenas uma interpretação, que os signos só têm uma interpretação e que todos pensamos da mesma maneira. Mais, que necessitamos de alguém do Governo que venha nos dizer qual é essa interpretação e qual é a maneira que devemos pensar. E é isso que está em causa. É que nos tentem ensinar como é que devemos interpretar um determinado cartoon. Já para não falar da queixa-crime levantada pela PSP contra a RTP. Ou seja, a consequência que temos quando interpretamos algo de uma forma diferente! A liberdade de expressão existe em Portugal quando esta não colide com o ponto de vista hierárquico! Num Estado de direito os delitos de opinião só se resolvem em tribunal. A peixeirada em praça pública, a intimidação, a agressão… E este não me parece ser o melhor caminho!
Os valores da liberdade de expressão e de opinião são basilares da democracia. Portugal viveu numa ditadura durante imenso tempo, em que não se podia dizer aquilo que se pensava! Alcançámos a liberdade no 25 de abril de 74, mas parece que estamos a voltar ao tempo da tirania!