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Artigo de Opinião

Professora Universitária

7/03/2022 08:08

Já não estamos no século XVI, mas ainda há quem questione o porquê da necessidade de um dia das mulheres ou veja no femininismo o "evangelho de reivindicações vermelhas", como escrevia Fernando de Azevedo na obra Feminal (O que se Pensa da Mulher), de 1926. Considerava o autor as aspirações femininas um problema da educação dos homens, os mais ingénuos, que não percebiam que "o maior mal que se pode infligir à mulher [...] seria satisfazer-lhe todas as vontades..." Porque esta aspiração feminina de usar os suspensórios é antiga e muitos foram os homens que escreveram sobre ela, procurando dar aos seus leitores masculinos munição para fazer face a um mundo em que as mulheres têm o atrevimento de se verem não como complementares, mas como iguais.

E chegamos à contemporaneidade, à deputada do Chega, cuja posição privilegiada que tem no Parlamento foi conquistada a pulso e com o sacrifício de muitas mulheres e homens, e a outras vozes da nossa praça regional que falam de igualdade, mas que preferem a complementaridade. Este é um exercício de raciocínio perigoso e antigo, num discurso cheio de armadilhas que desvia o olhar das aspirações da mulher para o colocar numa espécie de puzzle divino em que a ela são destinadas determinadas esferas e aos homens outras. Porque a complementaridade não é estarem os dois na mesma posição, em papel igualitário, é estar cada um no seu lugar, com posições e funções diferentes. Como no princípio da complementaridade de Bohr: os aspetos duais são complementares, no sentido conceptual, mas também físico, enquanto se excluem mutuamente: a observação de um num processo preclude a existência de um outro, mas não no mesmo espaço-tempo.

O género tem a ver com relações internas e externas, porque por um lado nomeia e define os sujeitos, por outro desenha o mapa cognitivo, as possíveis alianças e recomposições. Além disso, é um dispositivo, isto é, um conjunto de discursos, representações e normas. Se nos situarmos na complementaridade, é a construção de duas identidades, macho/fêmea - homem/mulher, num sistema binário baseado na heterossexualidade e que reproduz um esquema material num circuito fechado, excluindo outras escolhas como "excêntricas", fora da normalidade.

Discurso duplamente perigoso, quando quem o usa o combina com o paternalismo. Nós, homens, até queremos que as mulheres (o esquema é sempre binário, fechado) tenham uma carreira, trabalhem, nós impulsionamos, queremos que elas nos sejam complementares. Nós, homens. E, se tiverem mérito, até permitimos que estejam ao nosso lado. Às vezes. Podem ir para a universidade até mais do que os homens, mas chegar aos lugares de topo, ganharem o mesmo, é uma outra coisa. Enfim, só as competentes. As que entre a universidade, para a qual tiveram competência, e o emprego conseguiram manter o mérito sob o olhar masculino. De resto, nada como as jovens serem meninas lindas para prazer dos olhos.

Olhemos para a falsa igualdade das formas de tratamento para desmontar a complementaridade: deputado Pedro Andrade, deputada Manuela; professor doutor Carlos Figueiredo, professora Maria; escritor Miguel Aires, a Ana Cristina. A mulher é primeiro nome e o homem usa os suspensórios. Questões de complementaridade…

Luísa Antunes, professora universitária, escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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