Dar resposta aos obstáculos que milhões de portugueses enfrentam com a questão da habitação é um problema tão profundo, com causas tão diversas e implicações transversais que não o vamos resolver de uma assentada só, como propôs, demagogicamente, o governo, com o pacote "Mais Habitação".
A inflação e o aumento das taxas de juro foram a gota de água que fez transbordar o copo, de uma situação que já era insustentável. No entanto, querer resolver problemas estruturais do nosso país, arranjando bodes expiatórios, como é o caso da propriedade privada e do alojamento local, não só é incorreto como de uma profunda irresponsabilidade. A corda rebenta sempre do lado mais fraco.
No cerne da questão o governo não tocou, como é o caso, dos baixos salários, da incapacidade de competirmos com o investimento estrangeiro cujo poder de compra é muito superior em relação a quem trabalha no nosso país e o risco associado ao arrendamento para os proprietários. Além, do custo absurdo do crédito habitação.
Pior é termos os comentadores a apelidar o programa da habitação do Governo de "PREC" quando estas medidas afetam tudo menos o grande capital e quando temos um sistema político que defende um modelo económico em que se privilegia o lucro, em vez do bem-estar das pessoas. Termos famílias que trabalham e mesmo assim não conseguem pagar as suas necessidades básicas é a consequência do capitalismo. Por isso, poupem-nos o discurso do bicho papão do comunismo.
Por outro lado, Portugal à semelhança de outros países pobres, assentou a sua economia no turismo e agora dizem que isso é um problema? Particularmente, no caso do alojamento local. Quando os números mostram que a grande maioria são pequenos proprietários que possuem um ou dois imóveis. Não se pode dizer agora a quem investiu, fechem a porta, ou vamos sobrecarregá-los com impostos até ser impossível a prática da atividade.
Foi graças ao alojamento local que se reabilitou centros históricos e urbanos abandonados, a custo zero para o Estado e criou-se uma nova fonte de rendimento, que cria milhares de postos de trabalho, fugindo à regra dos salários miseráveis que se praticam no nosso país, inclusive, na hotelaria tradicional.
A redução do alojamento local nas zonas de pressão urbanística, já foi implementada e mesmo assim não resolveu o problema porque continuamos a ter uma política pública virada para a captação do investimento estrangeiro no sector imobiliário. De que servem os benefícios fiscais ao arrendamento se existem outros benefícios, ainda maiores, para atração de capital estrangeiro e fundos imobiliários? Os Vistos Gold ou Regime do Residente Não Habitual, que aplica taxas mais baixas, aos rendimentos de não residentes que declarem viver uma parte do ano em Portugal, através da compra de casa.
Se o Governo quer ser sério, deve sim, possibilitar a compra da primeira habitação a crédito bancário bonificado, promover o aumento dos salários aproximando-nos do resto da Europa, criar incentivos para o arrendamento de casas vazias, dar mais segurança aos proprietários na lei do arrendamento, construir habitação pública e residências universitárias e acabar com os benefícios da venda de habitação a estrangeiros.