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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

9/05/2023 08:00

No final desta sessão, a artista franco-islandesa, Aude Busson, protagonizou a representação participativa Manndýr, que questiona o papel do ser humano, e a sua relação com o mundo, através da perspectiva das crianças. Ao lado da escadaria monumental, havia um círculo que não era intransponível - quem está no centro pode sair para a periferia e quem está na periferia pode facilmente aceder ao centro. A páginas tantas, a artista começa a cardar - e, mais tarde, também a minha filha Laura -, o que me fez pensar na Sr.ª Isabel da Eira da Cruz, onde os borracheiros pernoitavam a caminho do Funchal, quando o mosto ainda se transportava em odres a pé, e que traz nas mãos o saber de dar vida à lã, como por exemplo nos barretes de orelhas. Com a ajuda de todos, construímos uma casa dentro da casa da Democracia, dos Direitos Humanos e do Estado de Direito, onde é muitas vezes necessário desfazer nós.

Este fim-de-semana, tive a oportunidade de ir com uns amigos ao primeiro restaurante afegão no Luxemburgo, uma iniciativa de refugiados afegãos da minoria étnica Hazara. Pude conversar com Jawid Modasir e relembrar os seis lagos de montanha (Band-e-Amir), as estrelas à mão de semear, as maçãs de Waras. Em jeito de brincadeira, renomeámos o prato nacional servido no restaurante de «Qabuli» (referência à capital Cabul) para «Bamiyani» (referência à cidade de Bamiyan, centro da minoria Hazara). O afinco em saber se a comida estava boa lembrou-me o documentário À Volta da Mesa de Sandra Cardoso e Rui Dantas com música de André Santos (e ponho o Embalo a tocar, o álbum que nasceu com base nessa banda sonora). Sandra e Rui dizem que o documentário «resulta da recolha de receitas familiares com histórias de vida». Vamos a elas. Madalena Furriel (pão na sopa) fala da importância da mesa e da sua pena de, durante muito tempo, não ter tido uma mesa para receber pessoas, para estar. O rosto de Dina Freitas da Quinta Grande, onde se cultiva o chícharo (leguminosa da família do grão-de-bico), ilumina-se quando diz que talvez ainda vá aprender música, um sonho incumprido de infância. Leonita Rodrigues mostra como, mesmo sem fogão, se preparava bucho de atum utilizando um balde de metal. Blandina Gonçalves diz que a sua grande alegria é os filhos e noras serem todos unidos enquanto nos fala do pão doce feito a olhar para o Natal. Joel Freitas fala de Fátima de Gouveia - que cozinha sem receitas e que fazia a festa ao trigo - esperando que, um dia que esta falte, se possa continuar a preparar o cuscuz, de origem berbere, em sua honra. Basilissa Fernandes, cuja receita de pudim de veludo a sua mãe trouxera do antigo Hotel da Camacha, explica-nos que «ter uma família à volta da mesa é querer que aquele momento nunca acabe». Silvina Gonçalves sabe bem que a castanha antes de chegar à sopa dá muito trabalho. A força das circunstâncias fez com que tivesse de deixar durante algum tempo os filhos na Madeira para emigrar pois só assim poderiam construir a casa que agora têm. Em suma, ir à Madeira e não provar esta gente é não perceber nada da Madeira, nem da vida. Obrigado Sandra e Rui!

Em 9 de Maio, viva a Europa e os Europeus, e que saibamos estar à mesa, em paz, onde também se sentem quem procura abrigo e uma vida melhor.

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