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Artigo de Opinião

Diretor

28/09/2024 08:05

Armas e algemas

Há uma laracha que percorre os meios policiais sobre casos que envolvem precipitação. Diz assim: “Atira primeiro, pergunta depois!”.

Dependendo do contexto, tem alguma graça. Num filme, por exemplo. Numa piada de caserna. Num tasco, à volta do balcão.

Na justiça, não!

Mas alguns agentes da justiça portuguesa têm mostrado queda para seguir o modelo brasileiro, que condena antes do tribunal e exibe suspeitos como criminosos a merecer castigo público.

Em alguns momentos, foi isso que aconteceu por cá.

Antes que nos atirem pedras pelo que vai dito, convém lembrar que não se pede aqui qualquer jeitinho às figuras públicas detidas na semana passada. Muito menos se menorizam as acusações, que devem ser investigadas e julgadas pelo tribunal competente e com o rigor da lei.

Explicado este ponto, agora falemos daquele aparato que rodeou as entradas e saídas dos detidos no caso ‘Ab Initio’.

Os agentes da PSP, os inspetores da PJ e os guardas da cadeia - que traziam pistolas à cintura e espingardas ao peito - deram ao centro do Funchal uma imagem semelhante a uma operação policial nas favelas do Rio de Janeiro ou nos bairros mais complicados da Colômbia.

Termine como e quando terminar, a justiça tem em mãos um caso grande que ainda agora começou. Mas, para os arguidos obrigados a tamanha exposição, o julgamento praticamente acabou ali.

Convém recordar que falamos de suspeitos de fraude em sistemas de contratação pública, não de perigosos assassinos, nem violadores, nem traficantes, nem terroristas. São figuras públicas ou conhecidas que foram detidas, passaram três noites na cadeia e depois de ouvidas pelo tribunal foram mandadas para casa esperar julgamento. Nenhum deles voltou para a cadeia, nenhum deles saiu escoltado, nenhum deles saiu algemado, nenhum deles saiu sob fortes medidas de segurança.

Além dos efeitos normais que um processo desta natureza provoca, há os efeitos colaterais. Há o regresso da desconfiança dos cidadãos nos decisores políticos, há o afastamento de eventuais quadros políticos de valor e há os dirigentes que, por prudência ou medo, se demitem de dirigir ou governar.

Autonomia vista de fora

Assistimos por estes dias a um invulgar quadro político que expôs a Madeira em Lisboa com a Assembleia da República a ouvir pessoas de lá sobre o combate aos incêndios de cá.

Percebe-se que o tema possa ter algo de suculento do ponto de vista mediático. A ideia era expor, a partir de Lisboa, as fragilidades do Governo Regional. Parecia politicamente apetitoso.

Só que não.

O que aconteceu foi mostrar uma estranha fragilidade regional. Era de esperar que, com 50 anos de autonomia, a Madeira tivesse competência suficiente para analisar politicamente um incêndio. Mas o que fica para a história foi a necessidade de estender a mão ao Poder Central, deixando uma imagem esfrangalhada da conquista autonómica de meio século.

Abriu-se um grave precedente e o efeito colateral a médio e longo prazo afigura-se muito maior do que o ganho político imediato.

Voto de pesar

O Bores voltou.

Em espírito, a memória do caso que abalou a opinião pública foi despertada por uma iniciativa do PAN que levou ao Parlamento um voto de pesar pela morte do lince.

À luz do PAN, a iniciativa era expetável, por conquistar um ‘mercado político’ que lhe tem assegurado votos.

Mais surpreendente é ver a aprovação do PS e ainda mais a abstenção do PSD, assim como todos os outros. Salvou-se a Iniciativa Liberal, que votou contra.

E o que devia ser mais uma oportunidade para identificar as diversas falhas do sistema em todo aquele processo do animal selvagem, acabou por ser um número político. Mais um.

Só que este número abre a porta à vulgarização dos votos.

Depois do Bores, a quem é que a Assembleia vai manifestar o seu ‘sentido pesar’?

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