Viver em Portugal com um rendimento monetário líquido inferior a 591 euros mensais (7 095 euros anuais) é ser-se pobre.
Os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado este ano, referente aos rendimentos de 2022, foram esta semana divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em Lisboa. Tais dados apresentam dados alarmantes que nos devem envergonhar a todos, a começar pelo governo e demais entidades responsáveis pelo combate à pobreza, redução da desigualdade e promoção do bem-estar, inclusão social e direitos humanos.
Segundo o INE, a taxa de risco de pobreza a nível nacional em 2023 (tendo em conta os rendimentos de 2022) é de 17%, sendo a taxa de pobreza e exclusão social de 20,1%, no mesmo período. Não podemos continuar a achar normal termos mais de 2 milhões de pobres em Portugal. Ao analisarmos a distribuição pelos diferentes grupos etários, nível de educação, relação com o mercado de trabalho e peso das transferências sociais, percebemos que mesmo assim tais números são muito preocupantes. Por exemplo, sem o contributo das transferências sociais, a taxa de risco de pobreza rondaria os 41.8%. Olhando para as diferentes regiões do país, os dados indicam que a Área Metropolitana de Lisboa é onde se verifica, face aos dados anteriores, o maior aumento da pobreza e desigualdade social, sendo as ilhas, Açores e Madeira, as regiões com taxa de risco de pobreza mais elevadas, 26.1% (Açores) e 24.8% (Madeira), naturalmente devido aos fatores de risco e desigualdades decorrentes da sua ultraperiferia e insularidade, face ao todo nacional.
A grande questão e desafio que se põe é, qual a melhor receita para inverter esta pobreza e desigualdade social sistémica? Entendo que são necessárias novas abordagens e um novo paradigma para as políticas públicas, abordagens essas associadas à valorização da pessoa humana pela via do aumento do rendimento disponível de cada cidadão.
O impacto da pandemia, e a recuperação da mesma, veio demonstrar a necessidade e importância de Portugal avançar, sem medos, para a criação de uma medida de Rendimento Básico Incondicional (RBI) para todos os cidadãos, de cariz tributável. Uma medida de RBI funcionará como o “canivete suíço” das políticas públicas e promoção da economia, pela via do aumento do rendimento dos cidadãos. A nova medida de RBI deverá sempre situar-se acima do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). Atualmente, em 2023, o IAS é de 480,43 euros.
Temos assistido à discussão de propostas e ideias sobre aumentar o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos, vulgo CSI, para todos os pensionistas, mas o CSI não tira ninguém da pobreza. Devemos ir mais além, e avançar para uma nova abordagem ao combate à pobreza e desigualdade social, ao aumento dos rendimentos para todos os cidadãos. Então como poderá funcionar uma medida de RBI? Qual a sua configuração? Por exemplo, o valor do RBI poderá diminuir à medida que a rendimento da pessoa aumente até um teto máximo a definir, deixando esta de ser elegível quando o seu rendimento atinga por exemplo pelo menos dois salários mínimos, que em 2024 passará para 820 euros, sendo que na Madeira, em 2023 o salário mínimo regional é de 785 euros.
*Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa