No início deste novo ano recordo as interrogações do Papa Francisco na Audiência Geral do dia 7 de agosto de 2019.
Interrogava-se Sua Santidade..., “E nós, cada um de nós, o que temos? Qual a nossa riqueza, o nosso tesouro? Com que coisa podemos tornar ricos os outros?”
Será que estamos a erigir um mundo mais justo, mais humano, quando permitimos que em Gaza cada criança tenha, apenas, um litro de água, por dia, para viver e 1850 pessoas tomem banho no mesmo chuveiro?
O que dizer do estado em que se encontram os estabelecimentos prisionais portugueses em que os reclusos, quantas vezes, convivem com roedores, defecam na presença do parceiro de cela, tomam banho com água fria e em que aos doentes não é prestada a assistência médica devida?
Temos jornalistas que continuam a trabalhar sem receber o seu salário, em que os funcionários judiciais, que são cada vez menos, auferem, apenas, cerca de 800€ no início de carreira e em que várias famílias a trabalhar não conseguem no final do mês pagar as suas contas e garantir uma subsistência digna aos seus filhos.
Verificamos, assim, que as diferenças sociais se acentuam.
Efetivamente, o contexto da pandemia, bem como a existência de duas guerras com forte impacto negativo nas economias mundiais acentuou a desigualdade entre ricos e pobres. Os mais ricos ficaram, ainda, mais ricos e os mais pobres, ainda, mais pobres.
Entretanto, no pretérito dia 14 de janeiro, mais cinco migrantes morreram quando o barco que transportava 70 pessoas, que tentava atravessar o Canal da Mancha para alcançar o Reino Unido, naufragou em águas francesas. Foi possível resgatar 72 pessoas e em que 20 apresentavam sintomas avançados de hipotermia, aqui se incluindo duas crianças e uma grávida. Eis que o parlamento britânico, para solucionar o “problema” da migração, volta a aprovar uma proposta de lei que prevê o envio de migrantes e requerentes de asilo para o Ruanda o que cremos não ser compatível com o direito internacional por “não cumprir com as normas da legalidade exigidas para a transferência de requerentes de asilo”.
Não podemos olvidar que a “a felicidade não se resume na ausência de problemas, mas sim na capacidade de lidar com eles”. E para que esta capacidade se possa tornar efetiva terá de existir todo um processo de discernimento, de auscultação que coloca no outro, nos outros, principalmente nos que se encontram fragilizados, o objeto da sua política.
Os problemas estão há tanto tempo identificados, pelo que urge de um modo responsável e transparente adotar políticas que almejam o bem comum e não interesses egoístas. E os desafios que se colocam na política são transversais a todas as demais áreas da sociedade civil, bem como às famílias. Todos somos responsáveis uns pelos outros, todos, ninguém está acima de ninguém e, tal como disse o Papa Francisco, apenas nos é legítimo olhar alguém de cima para baixo para a ajudar a levantar-se.
Ninguém se “pode instalar, simplesmente nas vitórias de ontem, nos saberes adquiridos de um dia, nas experiências de uma determinada etapa.”
Estamos, constantemente, a fazer caminho, e que seja o caminho do bem, daquele percurso que fomos fazendo com todos os que connosco se cruzam e que nos auxiliam a edificar uma sociedade melhor que conta, sempre, com os gestos de gentes tão simples e cheias de humanidade. O caminhar supõe, sempre, “uma abertura esperançada em relação ao hoje, encarando-o com a proeza e a ousadia de quem aceita, depois de já ter percorrido uma estrada, o considerar que está novamente, e que estará até ao fim, a viver sucessivos pontos de partida.
Que, para tornar os outros mais ricos, neste ano de 2024, cada um de nós não se canse de continuadamente partir para auxiliar o próximo a reerguer-se, principalmente o mais fragilizado, o que chora, o que tem fome e sede de justiça. Que assim seja!