Eu queria muitos brinquedos este Natal, mas a minha mãe disse-me para não ser tão egoísta e pedir coisas que dêem jeito a toda a gente. Paz no mundo e coisas assim, “assim como as misses” disse-me ela; não entendi bem a referência.
Começo, então, pela paz no mundo porque sei que é fácil. Já ouvi dizer na TV que é só pedir e fazer. O meu pai diz-me que a melhor forma de evitar a violência é termos a certeza de que o outro sabe que somos capazes de nos defender se ele atacar, mas aqueles senhores na TV com quadros bonitos por trás dizem que basta ceder a tudo o que os meninos violentos pedem. Por isso peço-te que faças com que todos no mundo deixem de se defender da violência, para assim termos paz no Mundo inteiro.
Também te peço que faças os salários de todos, pensionistas incluídos (que as avós compram-me brinquedos), subir aí até ao milhão de Euros. No mínimo! Faz com que o governo mande a polícia passar a multa a quem não subir os salários até um milhar de milhões! Já agora também te peço, Querido Pai Natal, que mandes para a cadeia todos os ricos e que distribuas todo o seu dinheiro, e casas, e carros de corrida por toda a gente, a começar pelos meus pais (afinal, também eles precisam de me comprar mais brinquedos). É que assim deixava de haver invejas e coisas feias desse género, e iam todos trabalhar muito, muito, muito apenas e só por puro prazer. Já viste os avanços que se fariam? Dinossauros-robô aos montes, tenho a certeza! Todos movidos a electricidade, claro, e com peças de madeira. Ou de plástico, para não se deitarem árvores abaixo. Ou de metal, para não se estragar tudo a tirar o petróleo do chão. Ou de milho, para não abrir minas. Ou verga. Não sei. Já estou a ficar frustrado. É injusto que eu fique frustrado, Querido Pai Natal!
Outra coisa que te queria pedir, Querido Pai Natal, para o bem de todos, é que os senhores da TV e dos jornais que o meu pai lê aprendam a conjugar os verbos compostos como a setôra me ensinou. É que aparece uma veia estranha no lado da testa do pai e a mãe fica preocupada com ele. Depois fica a repetir, de dentes cerrados, “é aprendam a conjugar, não é aprendam a conjugarem”. É que o pai fica cada vez mais chato e depois ninguém tem descanso cá em casa. É isso e o plural de Pai Natal. De cada vez que ouve alguém dizer “Pais-Natais”, fico com medo de não conseguir pedir ao pai que me leve ao cinema, tal o mau humor. Ou isso, ou trazes-me tu, Querido Pai Natal, a garagem dos carrinhos que ando a ver se lhe peço, para compensar. Não? Podias deixá-la no casarão que tirasses ao Cristiano Ronaldo, esse ricaço malandro, para distribuir pelos meus pais — para o bem de todos, não te esqueças.
Só mais uma coisa, Querido Pai Natal: traz aí da tua oficina do Pólo Norte uma dose extra de sentido de humor para distribuir pelos crescidos, que vejo tanta gente irritada com piadas. Ainda se se irritassem com os trabalhos de casa que me obrigam a fazer, compreendia. (O pai está aqui a sugerir sarcasmo, mas a mãe fala em capacidade de encaixe. Se puderes trazer tudo, fico mais contente. Também era fixe se me trouxesses um ferrolho para a porta, que os pais estão a dar-me cabo da pachorra.)
Muito obrigado e cumprimentos,
Assinado: Eu