Dizer-se que vivemos tempos difíceis soa a pouco. “Incerteza” passou a ser a palavra-chave! Incerteza(s) não apenas em relação ao presente, como em relação ao futuro de curto/médio prazo. Os problemas (os mais otimistas dirão “desafios”) na Europa não são novos. A situação na Ucrânia e a necessidade de contrariar a invasão russa colocou a UE numa situação delicada, sobretudo porque desde o primeiro dia se assumiu o apoio incondicional que se manteria pelo tempo que fosse necessário. E “incondicional” é, de facto, uma palavra forte. É “um amor para a vida toda”. Foi uma posição corajosa, muito provavelmente a única que poderia ser assumida, mas esse compromisso tem condicionado imenso o rumo estratégico da UE. Como se não bastasse, 2025 veio validar o que as pessoas (de bem) tanto temiam: o regresso de Donald e da sua gestão repleta de “trumpalhada”. Nada ou ninguém está imune aos impactos das suas surpreendentes decisões, agora coligado com os gigantes tecnológicos, cujo poder ultrapassa, em alguns casos, o dos próprios Estados.
Perante tudo isto, a UE, pela voz da Comissão e com a anuência do Conselho Europeu (Von der Leyen e Antónia Costa têm sido, para já, exímios na articulação da comunicação), limitou-se a fazer o que tinha que ser feito: assumir as debilidades da UE em matéria de segurança e defesa, fruto de um conjunto de escolhas que não foram necessariamente erradas, mas antes, o resultado de uma resposta honesta e bem-intencionada, perante um contexto mundial distinto daquele que hoje vivemos, onde Tratados e Convenções já não têm o peso de outrora, tal como de resto, a palavra dada. É neste mundo de garantias ténues que se discute a geopolítica internacional e foi neste contexto que a Comissão Europeia divulgou o programa “Rearmar a Europa 2030”, no âmbito da apresentação do Livro Branco sobre a Defesa, cujo foco assenta na necessidade imperiosa de reforçar a base tecnológica e industrial da defesa europeia, o que implicará o esforço dos Estados-membros na mobilização de 800 mil milhões de euros em aquisições (conjuntas?) de equipamentos, a que se juntará outro instrumento de financiamento (SAFE) de angariação de fundos nos mercados de capitais, na ordem dos 150 mil milhões.
Em suma, à imagem de tantas outras situações, não se espera um caminho fácil, muito menos célere, em relação à implementação deste Livro Branco. As opções sobre as formas de financiamento são diversas e numa mesa com 27 convidados, as unanimidades são cada vez mais difíceis.
Como cidadão, preocupa-me o rumo e a narrativa bélica que parece querer impor-se no plano político, bem como a recente estratégia de comunicação da UE. Falo por exemplo, do programa “Rearmar a Europa”! A expressão é infeliz e nada tem a ver com os valores que defendemos enquanto europeus. E não sou o único a pensar desta forma! Recentemente, Meloni e Sánchez manifestaram publicamente o seu desagrado com esta situação. Não é apenas semântica. É toda uma maneira de estar e de pensar que, na minha opinião, empurra-nos para um caminho perigoso. Mas a Comissão cedeu e o “Rearm Europe” deu lugar a um mais consensual “Readiness 2030” (prontidão). E faz todo o sentido, até porque a segurança, ou melhor dizendo a falta dela, não se limita à aquisição de armas e equipamentos diversos de defesa. Falarmos de segurança implica hoje domínios como a cibersegurança, inteligência artificial, infraestruturas vitais (energéticas, por exemplo), cadeias de abastecimento, etc.
Recentemente, numa publicação nas redes sociais, a Comissão usava o título “Paz através da força”. Fiquei chocado. Não me revejo nestas palavras. Como também não concordo com a falta de transparência sobre as reais consequências dos rumos que estamos a trilhar. Esta guerra e estas crises não se vão resolver apenas pela força das armas e do dinheiro. E ainda que assim fosse, as consequências far-se-ão sentir por todos, pois a política do lençol ganha sempre: se puxarmos de um lado, destapamos o outro. O lençol, esse, não muda de tamanho.