O recém publicado Decreto-Lei n.º 10/2024, apelidado de “Simplex Urbanístico”, promete uma reforma abrangente nos licenciamentos urbanísticos, ordenamento do território e indústria em Portugal. Embora a simplificação dos procedimentos seja uma meta há muito ambicionada, a implementação dessas mudanças não está isenta de desafios e riscos, levantando questões cruciais sobre o equilíbrio entre eficiência procedimental e salvaguarda de direitos. Tentarei neste curto espaço resumir algumas notas pessoais.
Uma das principais preocupações reside na redução do controlo prévio. A dispensa, em determinados casos, de controlo prévio pode comprometer a qualidade e segurança das operações urbanísticas, levando-nos a questionar se a procura pela celeridade procedimental poderá comprometer a qualidade das construções e consequentemente a integridade da paisagem construída. Neste âmbito, a medida mais alarmante é, a título de exemplo, a isenção de controlo prévio de obras de reconstrução e ampliação com aumento do número de pisos e área útil, desde que mantendo a altura da fachada. Tal situação criará certamente um conjunto de novas dinâmicas que poderão dificultar a gestão urbanística em todas as suas implicações, nomeadamente, o possível aumento, sem controlo prévio, do número de fogos num edifício.
Em segundo lugar, destaco as alterações ao Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), que visam essencialmente a redução de exigências consideradas por muitos como limitadoras como é o caso da obrigatoriedade da existência de bidés e banheiras nas casas de banho ou ainda a viabilização das kitchenettes como alternativas às cozinhas. Contudo, é necessário lembrar que o RGEU foi, durante cerca de 70 décadas, o instrumento de base que garantia, a todas as novas edificações, as condições mínimas de habitabilidade. Será por isto crucial garantir a incorporação adequada das medidas necessárias para preservar essas condições no futuro Código da Construção, já em desenvolvimento.
Este decreto-lei prevê ainda o deferimento tácito para todas as operações urbanísticas quando decorrido o prazo fixado para a prática de qualquer ato. Embora esta medida possa vir a introduzir uma dinâmica necessária aos procedimentos administrativos, temo que a mesma possa vir a produzir um efeito nefasto na paisagem urbana.
Em síntese, o “Simplex Urbanístico” promete representar uma mudança significativa, mas é crucial uma atenção minuciosa à sua aplicação prática. A dualidade entre eficiência e proteção dos interesses particulares exige uma abordagem equilibrada, onde o compromisso com a qualidade e equidade deverá ser o marco da transformação urbanística em Portugal. Para que todas estas medidas fossem realistas e exequíveis há que resolver um problema a montante e investir na valorização e difusão da cultura arquitetónica.