A cadeia dos soltos já foi título de um artigo neste espaço. Recordava uma estranha ameaça de infância feita na tentativa de o adulto convidar o menino ao bom comportamento. Caso contrário, havia a cadeia dos soltos.
Essa memória serviu para fazer uma analogia entre a cadeia e a ilha rodeada de mar e povoada de gente presa. À solta.
Mas, vários anos depois, percebe-se que a cadeia dos soltos tem uma dimensão real. Que não é apenas uma metáfora mal conseguida. Existe mesmo.
A cadeia dos soltos não se limita a Vale dos Judeus, de onde saíram cinco reclusos que continuam a monte. Soltos.
A cadeia dos soltos existe em tantos outros estabelecimentos prisionais em Portugal onde foram descurados os meios de segurança.
Existe também na Madeira. Aqui, mais uma vez, o Estado pratica a política do deixa andar. O Estabelecimento Prisional do Funchal tem carências estruturais diversas, tantas vezes denunciadas pelos guardas prisionais. Mas essas lembranças caem em saco roto.
E agora, que as cadeias portuguesas estão na boca do mundo, o Jornal foi ver como está o edifício da Cancela. E está igual aos outros. Sem meios, nem recursos suficientes, sem todas as condições de segurança. E também sem torres de vigia. As torres existem, só que não vigiam coisa alguma nem ninguém. Estão fora de serviço.
Até agora, salvo duas fugas, as coisas correram bem.
Até agora.
As ambulâncias
Fora de serviço estão também cinco das 15 ambulâncias do SESARAM. O Serviço de Saúde confirma a denúncia e atira para a frente. Que estão a chegar mais três ambulâncias novas até ao fim deste mês. Que já tem autorização para comprar mais oito!
A perspetiva é otimista, mas revela incoerência: se é possível garantir o serviço com menos um terço da frota, então para quê o reforço com mais três? E para quê mandar já comprar mais oito?
Como dizem os mais novos: algo de errado não bate certo.
O caos. Uma e outra vez!
Caos deve ser uma das palavras mais vezes proferidas pelos madeirenses. E, é justo reconhecer, pelos jornalistas. A toda a hora se ouve, lê e vê cenas provocadas pelos turistas a mais do que o habitual.
No meio de tanto saber feito de improviso já se fala em turismo de massas (sem a preocupação de saber o que isso é) e já se ensaiam comentários perigosos sobre os turistas que ajudaram a reerguer a economia em que assenta grande parte da ilha.
É claro que todos preferimos ter o Pico do Areeiro só para nós. Que gostamos de circular em estradas sem carros. Que sonhamos com restaurantes de mesas vazias a dar com um pau. De hotéis às moscas e a preços de saldo. Isso é que era bom!
Só que não.
A realidade mostra que temos de aprender a viver num modelo diferente. Isso é claro.
Mas essa clareza não nos deve impedir de pensar em soluções para minimizar os ajuntamentos de tanta gente ao mesmo tempo em todos os lugares conhecidos como cartazes turísticos regionais.
Talvez esteja na hora de se voltar a descobrir e a valorizar a ilha para além dos miradouros habituais. E mudar o slogan: Madeira. Tão Minha!
Os 50 anos da Autonomia
A Madeira está a criar uma comissão para as comemorações dos 50 Anos da Autonomia. Uma medida acertada que só a crise política impediu que fosse concretizada mais cedo.
Mas vem a tempo.
Basta que seja ágil, desprendida, democrática. E que tenha o fito de verdadeiramente mostrar como foi. Como foi a conquista, como foi este primeiro século de regime autonómico, como foi que chegámos aqui.
Que seja capaz de exaltar os feitos, sem deixar de reconhecer os defeitos.
Que seja representativa e agregadora. Proativa.
Que marque o passado, mas seja também um farol para o futuro.
Que produza pensamento. Que seja prenhe de ideias. De propostas exequíveis à luz dos interesses dos madeirenses no todo nacional.
Que tenha recursos suficientes para fazer algo memorável.
Que tenha a capacidade de criar uma gaveta para lá fechar o lado pueril do contencioso das autonomias.
Que tenha a ousadia de manter o confronto justo e inteligente e que seja contra o centralismo. Sempre.