A minha vida profissional é um puzzle composto por várias atividades que nem sempre encaixam perfeitamente. Abandonei o conforto do “dinheiro certinho no final do mês”. Isso não significa que trabalhe menos — muito pelo contrário — e também não quer dizer que tenha mais rendimento disponível.
Assumir que o melhor para a minha saúde mental era a flexibilidade no trabalho foi transformador, mas não foi uma decisão fácil. Em Portugal, persiste a ideia de que o “emprego à séria” precisa de secretária, cartão de ponto e horários definidos.
Este modelo, baseado em 8 horas seguidas ou repartidas, dificulta imenso a conciliação entre trabalho e família, especialmente para quem tem filhos, cuida de um idoso ou alguém doente. Muitas vezes, é um dilema cruel: largar o emprego para cuidar dos nossos ou continuar a trabalhar com o coração apertado. E posso garantir: tira o sono.
Serei só eu a pensar assim?
Há países em que a conciliação entre vida pessoal e trabalho é levada a sério. Na Suécia, os pais têm até 480 dias de licença parental partilhada, que podem usar até os filhos completarem 8 anos. Em Espanha e Itália, há licenças remuneradas para cuidadores e benefícios fiscais para quem contrata apoio doméstico.
Enquanto isso, por cá, continuamos a sentir-nos mal ao sair a horas para buscar os filhos à escola ou usar o banco de horas para ir a uma consulta. A flexibilidade no trabalho está associada a falta de seriedade ou, pior, a uma vida descomprometida. Como se estivéssemos de férias permanentes. Spoiler: não estamos.
Punidos por inovar e arriscar
E depois há a brutal carga fiscal. Quem trabalha de forma independente é “punido” por cada recibo emitido. Parece uma dívida eterna. Do lado das empresas, as coisas não são melhores. O sistema não propicia a criação de vínculos estáveis e limita a inovação. É um ciclo vicioso que mina a confiança e a cooperação entre empregadores e trabalhadores.
Estudos mostram que a instabilidade reduz a motivação, o desempenho e a disposição para inovar.
Estamos condenados?
Só se gostarmos de sofrer (e, sinceramente, às vezes acho que gostamos). Mas continuo a acreditar que há solução.
Países como a Estónia e a Irlanda têm sistemas fiscais mais leves e simples, que incentivam tanto o trabalho independente como o empreendedorismo. A redução de impostos sobre os rendimentos não só estimula a economia como também cria um ambiente de confiança.
Trabalhar para criar, não para sofrer
Precisamos urgentemente de políticas que promovam flexibilidade sem precariedade. Reduzir a carga fiscal permitiria criar contratos adaptados às necessidades de empresas e trabalhadores. Esta mudança não enfraqueceria o sistema de proteção social; pelo contrário, torná-lo-ia mais sustentável. E o medo — o grande inimigo do progresso — deixaria de paralisar as pessoas.
Sem condições de trabalho mais flexíveis, arriscamo-nos a ter uma sociedade ainda mais exausta e dependente. Somos um país envelhecido, e a geração que cuida de pais e filhos enquanto tenta sobreviver às exigências profissionais não pode mais carregar este peso sozinha. Flexibilidade é sinónimo de modernidade e bem-estar, não de desorganização ou falta de compromisso.
Mais do que políticas, é a nossa mentalidade que necessita de mudar. Precisamos de traçar novos caminhos que nos permitam crescer como indivíduos e como sociedade.
Afinal, não é esse o verdadeiro propósito do trabalho?