Thomas Malthus, economista e matemático considerado pai da demografia, viveu entre o século XVIII e XIX, período em que a população humana atingiu os mil milhões de indivíduos. Este número levou Malthus a acreditar que o planeta não tinha capacidade para tanta gente porque a população crescia exponencialmente enquanto os recursos progrediam aritmeticamente. Nos seus cálculos, no fim do século XX, os recursos da Terra esgotar-se-iam. Para enfrentar este problema, Malthus defendeu que as famílias deviam ter poucos filhos, que as pessoas deviam casar o mais tarde possível e que os pobres não deviam ser alimentados. As fomes que vivenciou durante a sua vida não foram alheias a estas conclusões: gente a mais e meios a menos pediam medidas extremas.
Estas ideias, absurdas a esta distância, foram perigosas e um adubo perfeito para pressupostos mal interpretados como a teoria da evolução das espécies de Darwin ou para segregações criminosas como as que proliferaram no sul dos Estados Unidos (as leis de Jim Crow) ou na Alemanha nazi (as leis de Nuremberga).
Esta noção de equilíbrio impossível entre crescimento populacional e recursos ganhou nova força em meados do século XX quando William Vogt publicou "Road to Survival", um livro que se tornou uma bíblia para muitos ambientalistas e, quase em simultâneo, um farol para outras ideias estapafúrdias, agora sob a forma do neomalthusianismo. Na verdade, Vogt não foi com paninhos quentes e advogava, para além de algumas das medidas defendidas por Malthus, o controlo populacional por via dos métodos anticonceptivos, do infanticídio e do abandono completo dos mais pobres. Era contra, como corolário, os contínuos avanços da medicina que ajudavam a prolongar a vida de gente tida como inútil e indesejada. O argumento afirmava que quanto mais população, menos recursos; ou quanto mais pobreza, menos desenvolvimento.
Todavia, a Terra já ultrapassou cinco grandes ciclos de extinção e 99,9% de todas as formas de vida que existiram já não existem. A vida na Terra também é um caso de lotaria cósmica à distância de um meteorito (como o que levou à extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos) ou da erupção de um enorme vulcão - como aconteceu há 2,1 milhões de anos, há 1,3 milhões de anos ou há 630 mil anos. Além de tudo isto, é provável que estejamos a viver numa era interglaciar que permitiu que a civilização se desenvolvesse nos últimos 10 mil anos. Fora daí, a regra é um planeta coberto de gelo que torna impossível a vida como a conhecemos. Apesar da probabilidade destes acontecimentos ser nula no horizonte temporal de uma vida humana, a possibilidade existe num tempo alargado.
O Homem foi sempre atraído pela ideia do fim dos tempos. Talvez com razão. Há religiões que anunciam os dias do juízo final e arautos e profetas que nunca deixaram de declarar um Armagedão que nos varresse da existência. Tempos de sofrimento ditam pensamentos sombrios. E se a literatura está inundada de cataclismos sortidos e variados, hoje qualquer plataforma de streaming tem conteúdos sobre o fim, figurado ou não, do mundo. Vivemos surpreendidos com o dom da vida, ao mesmo tempo que nos deixamos atrair pelo chamamento do abismo da destruição e da morte. Mas teimamos em progredir, demonstrando que o homem é um produto biológico de sucesso.
E observe essa evidência: em 1800, no tempo de Malthus, a população mundial era de mil milhões; em 1900, 1650 milhões; e em 1928, 20 anos antes da publicação de "Road to Survival" de Vogt, 2 mil milhões. Em 1960, atingia os 3 mil milhões; em 1975, os 4 mil milhões; em 1987, os 5 mil milhões. No fim do milénio, estava nos 6 mil milhões e, hoje, 2022, quase nos 8 mil milhões. Num outro prisma, a esperança de vida à nascença também registou avanços significativos e importantes: 28,5 anos (em 1800), 32 anos (em 1900) e 72,6 anos (em 2019). Também em 1800, 43,3% das crianças morriam antes de atingirem os 5 anos, número que desceu para 36,2%, em 1900, e para 3,91%, em 2017.
Se Malthus ou Vogt fossem vivos ficariam admirados com o número de pessoas que o planeta acolhe e com o tempo de vida que elas têm. Por certo, não contaram com os avanços da ciência, da medicina e da tecnologia, nem com o engenho humano, pilares que garantem não apenas um mundo cheio de gente, mas um mundo cheio de gente a viver muitos anos. E isso, digam o que disserem, é um feito extraordinário.