Durante décadas a Europa tem sido um baluarte de estabilidade, paz, prosperidade e democracia. Contudo, num ano que é até de eleições europeias, o continente debate-se com perigosas tensões internas, ao mesmo tempo que continua a debelar uma guerra a leste.
Choque é a palavra que melhor adjetiva a reação dos europeus ao atentado ao primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, que por pouco conseguiu sobreviver. É importante notar o contexto em que acontece este atentado. A política contemporânea eslovaca encontra-se marcada por profundas clivagens fomentadas pelos agentes políticos através do discurso (e ato) político que normaliza a violência, o insulto e a ofensa pessoal. Ao mesmo tempo, junta-se a clivagem social que o posicionamento pró-russo que Fico tem prosseguido desde a sua eleição.
Em 2018, a Eslováquia já tinha chocado a Europa com o assassinato do jornalista de investigação Jan Kuciak e sua noiva. Kuciak investigava a corrupção empresarial na Eslováquia, incluindo as fraudes com financiamentos comunitários e a ligação entre políticos eslovacos e a máfia italiana.
O que aconteceu na Eslováquia é um lamentável alerta dos tempos em que vivemos. É um alerta para os perigos da polarização política, que começa em debates menos civilizados e pode escalar para a ameaça à vida e à estabilidade do país.
Quando líderes e cidadãos veem os que possuem opiniões divergentes não como concidadãos, mas como adversários a serem liquidados, o terreno torna-se fértil para o conflito físico. Menosprezar o consenso político é menosprezar as instituições democráticas que alicerçam a nossa vida em sociedade. O ataque a Fico é um exemplo extremo, mas é precedido por inúmeros casos de violência verbal, arrogância e falta de filtros que pavimentam o caminho para tais atos.
Também Portugal não está imune ao perigo da desumanização no discurso político. Não dá para simplesmente voltar a colocar o génio do ódio dentro da sua ‘lamparina’. É por isso que a liberdade de expressão que o Presidente da Assembleia da República usou para justificar a sua não-ação contra a verborreia xenófoba de Ventura no parlamento, não tem cabimento. Será que Aguiar Branco se vai escudar atrás da “liberdade de expressão” quando o alvo da extrema-direita não for os “turcos” ou os “chineses” como ontem, mas antes ele próprio? O que aconteceu esta semana em São Bento pela condução do presidente da Assembleia da República é um cheque em branco para a extrema-direita alargar cada vez mais os limites do institucionalmente aceite e democraticamente válido. Lamentável, tendo em conta o excelente arranque da liderança de Aguiar Branco na Assembleia da República.
A desconsideração do outro é um passo perigoso na direção da violência. Quando o discurso político se afasta do respeito mútuo e da dignidade humana, ele abre as portas para justificar a violência. É um ciclo vicioso: a polarização leva à desumanização, que por sua vez leva à violência.
O atentado sobre a vida de Fico deve servir como um chamado à reflexão e ação. Devemo-nos esforçar para reverter a polarização, promovendo um diálogo baseado no respeito e na busca de soluções conjuntas. A política deve ser uma ferramenta para a resolução de problemas, não uma arena de batalha onde se busca a destruição do outro. Que o trágico incidente na Eslováquia nos lembre da urgência de cultivar a tolerância e a compreensão em nossa vida política. Especialmente no auge das campanhas eleitorais.