O constitucionalista Jorge Reis Novais defendeu hoje que a Constituição da República tem sido sistematicamente violada na Madeira, com a cobertura do Presidente da República (PR), sendo inventadas regras que não existem e invocados poderes que não têm.
“Nesta crise na Madeira, a Constituição não tem sido respeitada de forma nenhuma. A Constituição tem sido violada sistematicamente neste processo, com a cobertura do Presidente da República”, evidenciou.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa falava à agência Lusa na sequência da crise política que se instalou na Madeira após a demissão do presidente do Governo Regional.
Miguel Albuquerque formalizou junto do representante da República, Ireneu Barreto. o seu pedido de demissão na segunda-feira, depois de ter sido constituído arguido no âmbito de uma investigação a suspeitas de corrupção na Madeira.
O representante da República aceitou a demissão, mas decidiu que a mesma não produz efeitos imediatos.
“Estou a ponderar a melhor altura para que produza efeitos. Pode ser que seja ainda esta semana, pode ser que seja só depois do Orçamento aprovado. Neste momento, a data está em aberto”, disse na altura.
Em declarações à Lusa, o constitucionalista Jorge Reis considerou que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, bem como o representante da República, Ireneu Barreto, e o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, “inventaram um regime legal que não existe na Constituição, nem no Estatuto da Região da Madeira”.
“O Presidente da República já tinha feito algo parecido aquando da crise na República e o Governo apresentou o pedido de demissão. Na Madeira isso ainda é mais flagrante, inventando a cada momento regras que não existem”, referiu.
Segundo Jorge Reis Novais, quando Miguel Albuquerque se demite, “basta comunicá-lo ao representante da República e fica imediatamente demitido”.
“Não tendo feito isto, o representante da República invocou poderes que não tem. Diz que não demitiu o presidente do Governo Regional e ele não tem esse poder, só tem o de nomear, pois quem tem o poder de demitir o presidente ou o governo regional é a Assembleia Regional ou o pedido de demissão apresentado pelo presidente do Governo Regional”, argumentou.
O especialista não tem dúvidas que o presidente do Governo Regional, bem como o seu governo, estão demitidos desde o dia em que foi apresentada publicamente a demissão.
“Tudo o que façam fora disso é violando a Constituição e o Estatuto da Região Autónoma. Nisso estão envolvidos tanto os órgãos regionais como o Presidente da República, o que é lamentável porque o nosso Presidente da República transformou a Constituição numa coisa como se fosse o Natal: quando um homem quiser e como quiser! A Constituição diz uma coisa, mas depois não serve e faz outra”, sustentou.
De acordo com o professor de direito, deve haver um decreto publicado em Diário da República, onde se comprove que existiu e quando um pedido de demissão ou uma exoneração, caso contrário “é uma fraude à Constituição”.
“Isso é necessário para haver eficácia e a data desses documentos não pode falsear aquilo que aconteceu. Se o presidente do Governo Regional apresentou o pedido de demissão no dia 29, imaginemos, essa é a data que tem que constar, a partir do qual o Governo ficou demitido”, alegou.
Jorge Reis Novais aludiu também “ao absurdo” de darem o “argumento falso” em relação à aprovação do orçamento, garantindo que “a proposta de lei para o orçamento da Madeira não caduca com a demissão do Governo”.
“Compete à Assembleia Regional saber se aprova ou não aprova. Esteja o Governo demitido ou não, a proposta não caducou, assim como as outras propostas de lei apresentadas pelo governo regional”, indicou.
Para o especialista, “tudo isso é uma mistificação” e a crise está a ser resolvida na Madeira como “se não existisse Constituição e estatuto da Região Autónoma da Madeira, e como se o Presidente da República e o representante da República não fossem obrigados a cumprir a Constituição”.
“Nas conversas com o representante da República, o Presidente da República já teve que comunicar ao representante da República se dissolve ou não, porque é completamente diferente o representante da República nomear um governo para três meses ou para continuar indefinidamente. O tipo de exigências que se faz do ponto de vista da composição são completamente diferentes”, disse ainda.
No seu entender, o representante da República precisa de saber qual é a posição do Presidente da República para aferir se é adequada ou não a nomeação de um novo presidente do Governo Regional e em que circunstâncias.