Conta-se, em tom de “era uma vez”, que há muito, muito tempo, quando os primeiros habitantes ali chegaram, havia três pinheiros num terreno que um trovão transformou em três paus, ficando o lugar a chamar-se, precisamente, Três Paus.
Assim, de forma muito sucinta e entre risos, esta foi a história que um antigo morador, atualmente na casa dos 50, reteve sobre a origem do lugar. Ouviu-a quando era ainda criança e frequentava a extinta Escola Primária.
Diz-se que “quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto”, a verdade é que nem pontos, nem vírgulas, conseguimos acrescentar, até porque não nos detivemos numa investigação exaustiva sobre o tema. Nesta que é uma rubrica de ‘Perdidos e Achados’, achámos, desde logo, piada a esta historieta.
Vinte minutos a pé
Três Paus é um lugar das zonas altas da freguesia de Santo António. A estrada que o serve marca, e muito, a diferença entre o passado e o presente.
Rita Serrão, de 68 anos, moradora no sítio desde sempre, ainda que em casas diferentes, recordou à nossa reportagem tempos difíceis, quando, na sua infância e juventude, a povoação era servida apenas por um beco estreito, que nos dias de chuva se transformava num lamaçal.
“Com penas e com glórias sempre se ia ao Funchal, mas era difícil. Apanhava-se a camioneta da Chamorra. Eram 20 minutos a pé. Se trazíamos de baixo cinco quilos, quando chegávamos a casa parecia que eram 20”, contou-nos do balcão florido da casa situada à beira da estrada do seu contentamento.
Que “a estrada foi uma maravilha”, Rita Serrão não tem dúvidas, só lamenta que o muro, do outro lado, apenas tenha sido construído “depois de um carro ter caído pela ribanceira abaixo”. Não sabe precisar quando aconteceu a tragédia, lembra-se que “o carro vinha de baixo e morreram dois rapazes”.
Perigo à espreita
O muro ter-lhe-ia dado muito jeito uns anos antes, quando os dois filhos (uma rapaz e uma rapariga) eram crianças. “Era uma canseira. Tinha de estar sempre atenta para não caírem por ali abaixo”, recorda.
E se dantes o número de casas se contavam pelos dedos das mãos, atualmente já são às dezenas, entre os Três Paus e a Viana, e há autocarro à porta. Rita Serrão, bordadeira reformada, pensa que a vida dela ainda vai ficar mais facilitada a partir de janeiro. “Dizem que o passe vai ser à borla. Será? Vamos ver...”, diz sorridente.
Voltando ao passado, recorda o grande castanheiro que havia na casa dos pais (alguns metros acima da casa onde mora há 43 anos, desde que casou com um rapaz da Viana), onde ela, a mãe e as duas irmãs, bordavam horas seguidas nas tardes de verão, enquanto o pai trabalhava na Companhia Vinícola da Madeira.
Faltam as luzes de Natal
“Com o rádio ao pé, cantava-se e bordava-se. Era uma alegria. Tinha de bordar para ganhar algum dinheiro, mas gostava. A gente queria era bordados. Fazia bordado francês, garanitos, ponto atrás e ponto de cruz. Richelieu e caseado, não, nunca me ajeitei com aquilo. Era a minha mãe que fazia”, partilha.
Por falar em bordados, aproveita para dizer o quão importante foi a reforma do bordado. “A minha mãe, com a idade que tinha, não se esperava de receber a sua reformazinha. Foram poucos anos, mas ainda recebeu”, desabafa com sentida alegria.
Rita Serrão não deixa, contudo, de manifestar uma mágoa que tem sentido por estes dias, desde que as luzes de Natal acenderam. Ao contrário de outros anos, a rua de que tanto gosta, não recebeu iluminação e isso é algo que a deixa “muito triste”.
Apanhava quatro autocarros
O snack-bar Três Paus é o único no sítio e um local de referência. Foi em tempos uma mercearia, agora é apenas bar. Não tivemos oportunidade de falar com o proprietário, mas falámos com um dos clientes e moradores que nos falou da importância deste estabelecimento enquanto ponto de encontro, convívio e lazer.
Angelino Henrique Andrade, reformado da Empresa de Cervejas de Madeira, vai fazer 74 anos em janeiro, e mora nos Três Paus há meio século, desde o casamento.
Também ele recorda as dificuldades por que passavam os moradores antes da construção da estrada. E como se não bastasse isso, vivendo ele longe do local de trabalho, quando a empresa funcionava junto à Escola Industrial (atual Francisco Franco) apanhava o autocarro na Chamorra e quando a empresa mudou para o Parque Empresarial de Câmara de Lobos passou a apanhar quatro autocarros. No regresso, valiam-lhe algumas boleias de um colega.
“Com a estrada está melhor. Dantes havia poucas casas, agora há mais. A gente adapta-se”, diz. Quanto às virtudes do lugar, diz que o que há de bom, agora que está reformado, é “jogar à manilha e ao dominó” para passar o tempo.
O bar fica situado junto a um miradouro, sendo ele próprio um bom miradouro. À hora da nossa reportagem já o sol se ponha e tivemos oportunidade de captar uma das últimas visões a que os moradores têm o privilegio de assistir ao final de cada dia.