O diplomata venezuelano Milos Alcalay elogiou o exemplo dado pelos homens bons de Portugal que salvaram os judeus do Holocausto, sublinhando que séculos depois Lisboa continua a conceder passaportes e a abrir-lhes os braços.
“As páginas da história, durante a II Guerra Mundial, têm grandes ações nas quais os portugueses ajudaram muito a salvar vidas. [Aristides de Sousa Mendes] foi um diplomata, mas há muitos outros portugueses que ajudaram”, disse.
Milos Alcalay falava à agência Lusa no Espaço Anna Frank de Caracas, à margem da apresentação do programa “In Memoriam 2024”, que a 28 de janeiro homenageará as vítimas do Holocausto.
“Uma das coisas que me impressionaram, quando fui embaixador da Venezuela em Israel [entre 1992 e 1995], foi que, ao entrar no memorial do Museu Yad Vashem, o primeiro contacto não é com judeus mortos, mas com homens de outras nacionalidades, não-judeus, que ajudaram a salvar a vida de judeus. São os homens justos. E como homens justos estão muitos portugueses à entrada”, disse.
O ex-ministro de Relações Exteriores e ex-representante permanente da Venezuela na ONU sublinhou que o papel dos portugueses “vai muito mais longe na história” e que “Portugal tem reconhecido o direito de passaporte dos judeus que foram expulsos em 1492 e 93 (...) e que, séculos depois, o povo português não esquece, tem aberto os braços para os incorporar”.
“Isso representa essa profundidade do povo português de reconhecer os outros, mesmo com diferenças de religião ou de origem”, disse, sublinhando que não se deve esquecer o passado, para não repetir os erros, e construir um caminho construtivo e positivo.
“Aproveito para transmitir à comunidade portuguesa, o nosso reconhecimento. Hoje falávamos de como a Venezuela acolheu os judeus, mas também as páginas da imigração portuguesa na Venezuela e em outros países do mundo são uma contribuição extraordinária”, disse.
E insistiu “temos de recordar o testemunho de portugueses que vieram à nossa terra para engrandecer uma Venezuela que surgiu de todos esses aportes” e que hoje “tem uma visão de retorno, em que muitos filhos, netos ou amigos dos portugueses que retornam: Esse é o pêndulo da vida e Portugal tem recebido eles também”.
Por outro lado, lembrou que, há 15 anos, a ONU aprovou uma resolução para recordar as vítimas do Holocausto, os 6 milhões de judeus que perderam a vida, e que, na Venezuela foi criado, com tal propósito, o Espaço Ana Frank, com base no diário de uma jovem que morreu nos campos de extermínio, no qual projetava as bases da coexistência.
“Não esquecer o que aconteceu é um elemento de reafirmação, porque se não reafirmamos os factos, corremos o risco que possam se reproduzir”, frisou.
O jornalista luso-venezuelano e diretor do Espaço Anna Frank, Néstor Garrido, disse à Lusa que aquela ONG surgiu em 2006, quando a sociedade venezuelana estava muito polarizada, para “sensibilizar sobre a importância da sobrevivência e falar aos venezuelanos sobre o valor da tolerância e da coexistência”.
“É possível, mas muito difícil, porque as populações atuais tendem a estar mais polarizadas, a ver os outros com preconceitos”, frisou.
Garrido recordou que “Aristides de Sousa Mendes [cônsul de Portugal em Bordéus] e Carlos Sampaio Garrido [embaixador de Portugal em Budapeste em 1944], e outros, foram diplomatas que salvaram judeus, que emitiram vistos para que pudessem passar [da França] para a Espanha, para Portugal e daí para a América, fugindo à perseguição dos nazis”.
“São atos de valentia moral e são valores que queremos divulgar para que toda a gente conheça o que significa ter a valentia, a coragem, de fazer o que é justo”, disse.
Segundo Garrido, os venezuelanos têm uma noção do Holocausto, mas não fazem uma conexão entre o facto histórico e a vivência atual, entre o que aconteceu e o que está a acontecer no mundo.