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Itália continua a ser abalada pelo femicídio com a morte de mais duas jovens

Data de publicação
06 Abril 2025
10:46

O assassínio de mais duas jovens em Itália nos últimos dias, em novos episódios de violência de género, voltou a ilustrar a gravidade do fenómeno do femicídio, considerado um problema profundamente enraizado na cultura do país.

Na passada segunda-feira, uma jovem de 22 anos, Sara Campanella, estudante da Faculdade de Ciências de Enfermagem da Universidade de Messina, na ilha da Sicília, foi morta com uma facada na jugular em plena rua, à luz do dia, diante de numerosas testemunhas, tendo sido detido um jovem de 27 anos, Stefano Argentino, colega de curso da vítima, que a assediava há cerca de dois anos.

No mesmo dia, foi encontrado dentro de uma mala abandonada numa ravina de uma zona rural perto de Roma o corpo de Ilaria Sula, outra estudante de 22 anos que tinha sido dada como desaparecida em Roma a 25 de março.

A polícia deteve o seu ex-parceiro, de 23 anos, que confessou tê-la esfaqueado até à morte no apartamento – onde se encontravam os pais da jovem, que não se aperceberam de nada – e ocultado o cadáver, após o que utilizou o telemóvel da vítima nos dias que se seguiram ao seu desaparecimento para publicar histórias no seu perfil nas redes sociais.

Estes dois assassinatos elevam para 11 o número de femicídios registados em Itália desde o início do ano, tendo-se verificado já cinco desde 08 de março, Dia Internacional da Mulher, data por ocasião da qual o atual Governo italiano, liderado pela primeira vez por uma mulher, Giorgia Meloni, aprovou uma proposta de lei que introduz a definição legal de femicídio no direito penal do país e o pune com prisão perpétua.

A proposta de lei avançada pela coligação governamental de direita e extrema-direita é o reconhecimento, por parte das autoridades italianas, de que a violência de género e o femicídio - o assassinato intencional de mulheres devido a motivações relacionadas com o género – constituem um fenómeno enraizado na sociedade italiana ao qual é necessário dar resposta, ainda que vários membros do Governo, sobretudo da ala da direita mais radical, insistam que já não existe uma cultura de patriarcado no país.

Vários estudos recentes demonstram que, enquanto os homicídios têm vindo a diminuir no país, a taxa de femicídios tende a manter-se estável e estritamente ligada à família ou à “esfera emocional” das vítimas, tendo em 2024 sido registados pelo Ministério do Interior italiano 99 assassinatos de mulheres cometidos por familiares, parceiros ou ex-parceiros.

Num país que continua a descer na classificação do Índice de Igualdade de Género da União Europeia – caiu para o 14º lugar no ano passado, abaixo da média comunitária -, o fenómeno de violência de género é de tal ordem que, em 2023, ano em que foram assassinadas 117 mulheres em Itália, «feminicídio» foi eleita a «palavra do ano» pelo Instituto da Enciclopédia Italiana.

O Instituto justificou a escolha com “a urgência de chamar a atenção para o fenómeno da violência de género, de estimular a reflexão e de promover um debate construtivo em torno de um tema que é, antes de mais, cultural”.

O convite a essa reflexão nacional tem sido insistentemente lançado pela família de Giulia Cecchettin, também ela uma jovem de apenas 22 anos, brutalmente assassinada pelo ex-namorado, com 75 golpes de arma branca, a 11 de novembro de 2023, a poucos dias de completar a licenciatura em engenharia biomédica na Universidade de Pádua, num caso que chocou a Itália e que tem sido recordado à luz dos dois mais recentes assassinatos.

A morte de Giulia às mãos do ex-parceiro - Filippo Turetta, de 23 anos, condenado em dezembro passado a prisão perpétua – suscitou manifestações em massa em várias partes do país para exigir medidas mais duras contra a violência de género, tendo o pai da vítima, Gino Cecchettin, passado a ser uma das vozes mais críticas contra a impunidade da violência de género em Itáia.

“Perante o femicídio de Sara [Campanella], a jovem assassinada em Messina, penso na minha Giulia, na batalha titânica que travámos contra um mal enraizado na sociedade”, declarou esta semana à imprensa italiana Gino Cecchettin, que denuncia o facto de o assédio ainda não ser reconhecido como um crime grave em muitos casos. Apesar da condenação à pena de prisão perpétia de Turetta, o tribunal de Veneza não reconheceu esta circunstância agravante.

“O perigo do ‘stalking’ é subestimado. Este último caso [de Sara Campanella) mostra-nos o que realmente é: o passo anterior ao femicídio”, disse, voltando a pedir mais ações de sensibilização num país onde, argumenta, há “gerações de homens que não aceitam a rejeição”.

Idêntica opinião tem a criminóloga e psicopatologista Laura Todaro, que, em declarações à estação televisiva RAI, observou que “o feminicídio é apenas o último ato de uma série de violências em que já houve um forte pedido de ajuda”, considerando igualmente que “há um problema de raiz de natureza sociocultural: um ódio, uma forma de controlo e de posse que os homens devem ter sobre as mulheres e que não aceita de forma alguma a igualdade entre os sexos”, nem tão pouco a rejeição.

Por essa razão, quando o Governo apresentou recentemente o projeto-lei que criminaliza pela primeira vez o feminicídio, os partidos da oposição, embora saudando a iniciativa, apontaram que tal não é suficiente, considerando que está apenas a ser abordada “parte do problema”, já que é também necessário investir na pedagogia, para alterar mentalidades.

“Mais uma vez, o Governo atua com medidas criminais, intervindo após a violência e os feminicídios, e continua a ignorar o aspeto preventivo da educação”, deplorou o principal partido da oposição, o Partido Democrático (centro-esquerda), que também critica as recorrentes associações que o executivo de Meloni faz entre a violência de género e os imigrantes, quando os dados oficiais revelam que, entre as 99 mulheres assassinadas em 2024, 83 foram-no às mãos de homens italianos.

“A minha irmã foi morta por um homem branco ‘decente’”, lembrou Elena Cecchettin, irmã de Giulia, que também se tem insurgido publicamente contra o que classifica como “propaganda” e “racismo” do Governo de Meloni, lamentando a falta de ações concretas para evitar que todos os anos cerca de uma centena de mulheres sejam vítimas de feminicídio em Itália.

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