Cerca de 30 organizações não-governamentais (ONG) venezuelanas e internacionais apelaram hoje ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para renovar o mandato da missão independente para a Venezuela, presidida pela jurista portuguesa Marta Valiñas.
“A responsabilidade internacional é urgente e necessária num contexto de intensificação da repressão pós-eleitoral e a renovação desse mandato permitirá que os peritos continuem a recolher provas de graves violações dos direitos humanos” cometidas pelas autoridades venezuelanas, lê-se num comunicado divulgado pela Amnistia Internacional.
O pedido das 29 ONG surge após os resultados das eleições presidenciais de julho, divulgados oficialmente pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, que atribuiu a vitória a Nicolás Maduro com pouco mais de 51% dos votos. A oposição, contudo, afirma que Edmundo González Urrutia, candidato rival, obteve quase 70%.
Os resultados eleitorais têm sido contestados nas ruas, com manifestações reprimidas pelas forças de segurança, com o registo de cerca de duas mil detenções e de mais de duas dezenas de vítimas mortais.
A missão internacional independente de apuramento de factos sobre a Venezuela, acrescenta o comunicado, “pode desempenhar um papel fundamental na promoção da responsabilização e na manutenção do escrutínio internacional perante a repressão generalizada após as eleições de 28 de julho de 2024”.
A equipa de três peritos da missão deverá apresentar o quinto relatório a 19 deste mês, durante a 57.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, que começou hoje e decorrerá até 11 de outubro. Se os Estados-membros do Conselho convocarem uma votação, é necessária uma maioria simples para aprovar o texto e a renovação.
O Conselho de Direitos Humanos estabeleceu a missão em 2019, renovada em outubro de 2020 e de 2022, para investigar “execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes desde 2014”, incluindo violência sexual e de género, com vista a “garantir a plena responsabilização dos perpetradores e justiça para as vítimas”.
“Milhões de venezuelanos participaram nas eleições, apesar das irregularidades cometidas pelo governo e das violações dos direitos humanos que tornaram as condições de concorrência desiguais. As autoridades governamentais prenderam membros da oposição, fizeram discursos estigmatizantes, atacaram o espaço cívico, desqualificaram candidatos e impuseram restrições à votação”, acusam as 29 ONG.
No comunicado é lembrado que uma equipa técnica eleitoral das Nações Unidas e o Centro Carter, as únicas missões de observação acreditadas pelo Conselho para observar as eleições, concluíram que o processo “carece de transparência e integridade”.
A oposição publicou ‘online’ os boletins de voto que indicam que o candidato da oposição, Edmundo González, desde hoje exilado em Espanha, ganhou as eleições por uma margem significativa.
Desde 29 de julho, denunciam as organizações, as autoridades públicas venezuelanas ativaram uma política repressiva, “violando os direitos humanos, nomeadamente o direito à vida, as garantias judiciais e a liberdade”.
Para as ONG, que citam os sucessivos relatórios da missão, o sistema judicial venezuelano, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça e o gabinete do procurador-geral, “não é independente nem imparcial”.
“Ao renovar o mandato da missão, os governos enviariam uma mensagem clara de que a comunidade internacional está empenhada em responsabilizar os culpados pelos crimes internacionais e pelas violações dos direitos humanos em curso, bem como apoiar a luta de tantas vítimas para alcançar a verdade e a justiça”, sustentam.
“As investigações em curso e os relatórios públicos da missão são também essenciais para evitar uma maior deterioração num período crítico pós-eleitoral, pelo que a renovação do mandato permitirá que os peritos continuem a recolher provas de graves violações dos direitos humanos, a informar sobre a dinâmica atual no país, a analisar as causas profundas e a recomendar ações internacionais”, defendem as ONG.
Para as 29 ONG, a renovação do mandato permitirá ainda que a missão apoie e complemente as funções do gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e do Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional, que está a investigar crimes contra a humanidade na Venezuela.
“A interrupção do trabalho da missão num momento tão crucial terá implicações negativas para a proteção das vítimas, dos sobreviventes e da população em geral, e constituiria um incentivo para que o governo venezuelano continue com a violenta repressão da dissidência”, advertem as 29 organizações.
Além da Amnistia Internacional, as organizações incluem também, entre outras, a Freedom House, Human Rights Watch (HRW), Comissão Internacional de Juristas (CIJ), Federação Internacional para os Direitos Humanos (FIDH), Organização Robert F. Kennedy para os Direitos Humanos, e a Organização Mundial contra a Tortura.