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Artigo de Opinião

HISTÓRIAS DA MINHA HISTÓRIA

19/07/2024 08:00

Na sequência da minha última crónica neste espaço, recebi comentários de vários leitores que, ao lê-la, regressaram às suas memórias de infância e à relação com os brinquedos cujo parcimonioso acesso nos era permitido apenas em momentos especiais. Num desses comentários, dizia-me uma amiga que “não passa pela cabeça dos pais atuais comprar brinquedos para guardar”. Pus-me logo a esmiuçar sobre essa atitude, porque tenho a certeza de que os pais agiam com a melhor das intenções.

Na minha infância, os tempos não eram de fartura e para a geração dos meus pais terá sido ainda menos. Grande parte da sua juventude foi passada na época das grandes guerras europeias que causaram inevitáveis privações. A agravar a situação, tínhamos o facto de vivermos em ditadura, numa ilha isolada e secundarizada pelo poder nacional. A frugalidade obrigava à poupança e prevalecia a ideia de poupar e guardar, o que valia para todos os aspetos da vida. Era preciso ter sempre algo reservado: roupa — incluindo a de dormir—, loiça, copos, toalhas, etc., para quando houvesse que atender a necessidades inesperadas ou ocasiões especiais. Tudo havia de durar pelo período mais longo possível e, geralmente, o que era de melhor qualidade ficava reservado. Os brinquedos seguiam a mesma lógica: os mais caros ficavam longe do nosso alcance para perdurarem. Nós crescemos e os brinquedos ficaram a envelhecer em recantos de sótãos e arrecadações, cobertos de pó e dentadas de traças, caruncho e outros bicharocos.

Essas restrições não levavam, contudo, a que nos entediássemos, nem nos três meses que rendiam as férias de verão. Não havia televisão, mas brincadeira não nos faltava. Os brinquedos acessíveis bastavam e eram acrescentados pela imaginação e pela camaradagem com as outras crianças da vizinhança. Saltitanço, correrias, jogos ao pé-coxinho, em roda, cantorias ou dramatização de histórias. Na densidade de florestas, desafiávamos bruxas, fugíamos do lobo mau, perseguíamos ladrões, assaltávamos castelos e salvávamos princesas. Eram infindos os mundos que cabiam nos nossos quintais.

Quanto mudou desde então? Hoje a proliferação de brinquedos é enorme. São mais cuidados em questões de segurança, mais sofisticados e com propósitos mais definidos para o desenvolvimento das faculdades das crianças, e acredito que nenhum progenitor reservará brinquedos para ocasiões especiais. Penso poder dizer que os que sobreviverem será por serem resistentes ou insuficientemente motivantes.

E aqui entramos numa outra realidade: a falta de motivação. Este poderá ser mesmo o problema que os atuais progenitores enfrentam. A oferta lúdica disponibilizada é gigante. Há uma concorrência comercial feroz na procura de apresentar os brinquedos mais coloridos, faiscantes, interativos e apelativos. Muitos deles prolongando a sua existência física no mundo virtual. Há um excesso frenético que parece conduzir os jovens a um deslumbramento imediato, logo substituído pelo enfado e um vazio de urgência por algo novo.

E assim talvez hoje muitos brinquedos fiquem sem uso, não por serem preservados, como antes acontecia, mas sim porque depressa perdem o interesse.

Enfim, cada época com os seus quês e porquês. Das memórias que os meninos de hoje constroem, só eles depois as contarão.

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