Uma orquestra é magnífica pela sincronicidade dos vários instrumentos a tocar ao mesmo tempo. Instrumentos a tocar ao mesmo tempo não são uma orquestra, só quando colaboram e trabalham arduamente em conjunto, podem ter esse título. Da mesma forma, várias pessoas juntas não formam uma sociedade. As sociedades formam-se de várias pessoas que se coordenam e que atingem algo em comum. Ao longo da história fomos evoluindo para formas de gestão social mais livres, em que os elementos da sociedade podem desafinar um pouco, sem serem expulsos dela. Podem falar, sem serem presos. Nas democracias ocidentais temos atualmente uma grande cacofonia de movimentos, crenças, vontades, que são fruto de uma liberdade conquistada, que acrescenta imensa cultura e respeito humano.
Há poucos dias saiu a notícia do aumento de consumo de psicofármacos na região da Madeira. Uma análise simples, mas importante, do número de embalagens vendidas. Este número aumenta por muitos motivos, mas parece-me claro duas razões: as pessoas estão a sofrer mais; o estigma é menor para aceder à medicação.
Nos últimos anos é cada vez mais fácil as pessoas pedirem ajuda. Isto não significa que não existam pessoas e famílias com elevado estigma em relação à doença mental, mas uma grande maioria já aceita e aceita o tratamento. Esta redução do estigma não significa que a literacia em saúde mental aumentou. Esta é ainda assustadoramente baixa. Preocupa-me particularmente esta questão, o conhecimento que cada pessoa tem sobre a doença mental e como a prevenir. Existem muitas estratégias não farmacológicas para a melhoria dos sintomas, mas muitas pessoas desconhecem-nas e isso coloca-as em maior risco de adoecerem e torna a sua recuperação mais difícil.
Também me transmitiram que nos últimos três meses 4 psiquiatras abandonaram o SESARAM. A ser verdade, é apenas mais um evento de saturação de chefias, de sistemas inertes e pouco tolerantes à mudança. Em maio de 2023, a Dra. Rafaela Fernandes e o restante Conselho de Administração alteraram o regulamento interno para promover o tratamento das adições separado da psiquiatria geral. A razão é simples, este é o modelo internacional e nacional que tem resultado, porque a psiquiatria geral tem pouco interesse em tratar as adições, como de geral é notório o baixo investimento nos últimos anos do serviço de psiquiatria no tratamento das adições. A falta de psiquiatras e outros profissionais de saúde, de outras instalações, do aumento do número de camas, de grupos terapêuticos, de tratamento em hospital de dia, entre outras oportunidades perdidas. O pouco interesse não é por maldade, é inevitável. A psiquiatria geral está completamente assoberbada com outras doenças e rapidamente as adições são empurradas para fora. Isto passa-se com outras doenças graves como a esquizofrenia para a qual foram criados vários sistemas para evitar esta situação. O tratamento médico das adições tem estado pelas horas da morte, espero que o novo ano, com a sua esperança de mudanças, mostre que o tratamento das adições são também uma prioridade para o SESARAM.
Esta é a orquestra social. Movimentos organizados, uns momentos com mais liberdade do que outros, mas uma coisa é certa, sem a voz da diferença, a democracia morre sufocada. E quando as vozes são silenciadas, morre um pouco do futuro da sociedade com elas. Cada um escolhe quem quer ser nesta vida, parte da mudança para algo melhor? Ou parte dos que matam a mudança? Que vozes nascem e que vozes morrem em 2024?