Mas a criação da CAAHM, teve por assim dizer, um antecedente, diria, um estudo prévio. Refiro-me à Missão Técnica de Estudos Hidráulicos da Ilha da Madeira que foi enviada à ilha em julho de 1939 com o intuito de proceder ao reconhecimento das suas possibilidades técnicas e económicas nos aspectos hidroelétricos e hidroagrícolas em conjunto. Só a designação da missão bem como o respectivo propósito dão a entender os desafios que esperavam estes quatro bem-aventurados engenheiros de diversas áreas enviados da metrópole. Foram eles, José Gromwell Carmossa Pinto, Francisco Ferreira Pinto Basto, José Augusto de Azevedo e Manuel Rafael Amaro da Costa que com a inestimável ajuda local do Engenheiro Aníbal Augusto Trigo produziram um extenso e completo relatório que definiu o caminho de uma nova realidade insular. No final, com a data de 28 de junho de 1940 e "Para Bem da Madeira", concluíram com satisfação que a ilha da Madeira possuía recursos apreciáveis para realizar melhoramentos notáveis no campo da sua economia agrícola, bem como em matéria de produção de energia.
Mas a esta conclusão não chegaram com especulações ou teorias emprestadas, pelo contrário, nos dois meses que passaram na ilha, embrenharam-se no seu interior, nas suas montanhas, percorreram ribeiras e levadas, mediram caudais, estudaram o clima, a orografia, a geologia, as levadas e os seus regimes jurídicos, reuniram dados da actividade agrícola e industrial, do povoamento florestal, dos regimes de propriedade, bem como das comunicações e da distribuição da população da ilha. Nos primeiros dias, enquanto se instalavam, perceberam rapidamente que as levadas na Madeira não eram apenas meros canais ou aquedutos, como também não eram só as entidades que as possuíam ou administravam, mas sobretudo, eram a própria água. No capítulo dedicado às levadas existentes, com uma sensibilidade muito singular, é referido: "A nenhum sacrifício para construir levadas, por muito dispendiosas que fossem, se podiam, porém, eximir os donos das terras, nem o próprio Estado. Se a água é, em toda a parte, o sangue da terra, da agricultura, na Madeira esse sangue tinha que ser obtido à custa de todos os sacrifícios, sob pena de a floresta voltar a assenhorear-se das terras das quais o homem a tinha expulsado usando a violência do fogo para poder consagrar as suas forças e o seu tempo ao cultivo das terras".
Ao longo das 320 páginas do relatório, sem contar com os anexos e peças desenhadas, a missão definiu 18 aproveitamentos dispersos pela ilha, uns puramente de cariz hidroagrícola, outros mistos e outros com a função única de produzir energia. Com um rigor e um detalhe admirável, foram calculados os canais, definidas secções de vazão, as alturas de queda, as potências de produção elétrica, as redes de transporte e distribuição. Para todos os aproveitamentos foram calculados os custos de construção, foram contabilizados igualmente os custos e os proveitos da venda de água e de energia. Além da integridade e racionalidade do trabalho da missão sobressai um facto de veras interessante, é que destes 18 aproveitamentos, com um custo previsto de 46.204 contos, desenhados e pensados em 1940, apenas três centrais não foram construídas pela CAAHM, respectivamente no Seixal, em Santa Luzia e na Ponta do Sol. É também de salientar que os restantes aproveitamentos foram executados com muito poucas alterações ao plano inicial da missão, provando-se a inteligência e a acutilância das soluções propostas. Não obstante os aspectos técnicos, a forma como os autores apreenderam a realidade do nosso território e das nossas gentes é de assinalar. Esta missão compreendeu e respeitou a história e a luta sem tréguas do madeirense pela terra e pela água, a tenacidade e a coragem deste povo não passou despercebida. Este documento materializa uma justa homenagem aos nossos antepassados e prova igualmente que a engenharia quando é feita com alma é uma melhor engenharia.