Cada um terá a sua opinião, a sua imagem da sociedade perfeita, que muda e se adapta às variações de humor da hora. Mas será que sabem, os emotivos legisladores de bancada, o que implica aplicar uma lei? Será que querem saber, aqueles que pretendem o voto daqueles para se manterem no campo de jogo legislativo, quais os custos de regular, através do Estado, cada minúcia da vida social — ou até mesmo a privada?
Em primeiro lugar, a sociedade é, no seu âmago, uma entidade biológica, ou seja, advém da condição natural de cada espécie. Há espécies animais em que a vida social é inexistente a não ser na altura da reprodução, outras em que a vida social vai ao ponto de um grupo de indivíduos se comportar como um só organismo. Já o Estado é uma invenção Humana, imposto e mantido pela força e que, na sua versão mais benévola, espelha a sociedade sobre a qual impera. Se é legítimo, ou não, fica para discussão futura.
Voltando às leis, sabemos que é através delas que o Estado se financia, que castiga comportamentos socialmente indesejáveis e molda a escolhas comerciais dos indivíduos. Para isso, institui forças policiais, devidamente armadas e autorizadas a usar da força. Mesmo que severamente balizado, esse uso da força é sempre maior do que aquele que o cidadão comum está autorizado a usar, ou essas forças seriam supérfluas. Sendo assim, qualquer lei é imposta sob ameaça de violência, mesmo que seja num distante último recurso. Há leis, claro, que todos cumprem sem sequer pensarem na repressão policial por espelharem o consenso social. Por exemplo, até mesmo um assassino inveterado defenderá que seja ilegal matar, já que é assim que sente protegido de ser linchado na praça pública. Quando este mata, ninguém terá dúvidas que deve ser castigado. Já o indigente velhaco que se atreve a conduzir sem cinto de segurança (coisa que desaconselho), com potenciais consequências apenas para si, sabe que, uma vez apanhado a cometer o terrível crime, será judicialmente processado. Se recusar pagar a multa, o sistema judicial, aliado ao todo-poderoso sistema fiscal, insistirá com educação e tacto dignos de fazer perder a paciência tanto a um santo, como a um reles rebelde do cinto de segurança. Se ainda assim resistir (se for feito de metafórica rocha), pode incorrer em pena de prisão, à qual qualquer resistência será, finalmente, contrariada com violência.
Quer isto dizer que se deva atirar todo o Estado ao mar? Não forçosamente, por mais que apeteça. A protecção da vida e da propriedade dos indivíduos que compõem uma sociedade é um trabalho violento. Espero não me enganar muito ao arriscar que a maioria de nós estaria disposto a fazer uso da violência para proteger vida e propriedade (pelo menos as suas!). Nesse sentido, o Estado alivia-nos desse fardo, além da consciência.
O problema está mesmo nesse alívio da consciência por remoção da violência das nossas mãos: ficamos com a impressão de que ela não existe. Mas não podemos fingir que não é violência o que pedimos a cada lei que pedimos, a cada benesse estatal que exigimos.