Todos os dias podemos ver exemplos desse pensamento na própria ação da Natureza. De entre as muitas categorias de negacionistas que proliferam na nossa sociedade atual - por exemplo negacionistas Covid-19 ou negacionistas da evolução das espécies - também existem os negacionistas das alterações climáticas. Felizmente estão em minoria, pois a maior parte de nós acredita no valor da ciência como âncora da racionalidade humana. Assim, é visível que a crise climática é, em larga medida, consequência das nossas más ações contra o nosso planeta. Que a nossa avareza desequilibra a harmonia entre as forças da natureza e a Humanidade.
As ações históricas são também passíveis de "carma". No passado recente, todas as nações coloniais não só exploraram os territórios subjugados, como também usurparam essas terras para fazer experiências que consideravam perigosas no "país-mãe" europeu. Determinavam a sua soberania sobre as colónias de forma perversa pois não lhes atribuíam igualdade no tratamento. É por isso que países como a França se achavam intitulados a realizar as suas experiências de bombas atómicas no Pacífico e no Norte de África nos anos 1960.
É desse profundo desequilíbrio que este ano se encontrou mais uma prova da circularidade da ironia - para nós pouco humorística - da Natureza. A ACRO (Associação para o Controle da Radioatividade no Ocidente) descobriu que uma nuvem de areia do Saara transportava poluição radioativa em efeito boomerang de volta à França. Volvidos 60 anos dos ensaios nucleares franceses no Saara argeliano, os cientistas da ACRO identificaram nessa nuvem de areia em território francês atual o isótopo radioativo césio-137, que não existe naturalmente na areia do deserto, mas é antes o resultado da fissão nuclear de urânio-235 em armamento nuclear. Neste episódio, o carma radioativo não só "castigou" a França atual, mas também outros países, pois Espanha, Reino Unido e Irlanda também foram afetados pelas mesmas partículas de césio-137.
Cá na Madeira, tantas vezes sob o efeito do vento "Leste" que nos traz a areia do Saara, estamos bem habituados às interligações entre os continentes e entre os povos, sejam da nossa emigração, seja da partilha da Macaronésia. Fomos no passado uma placa giratória entre mundos diferentes, ditando a abertura ao desenvolvimento e à tolerância. Mas também estamos habituados à irascibilidade da Natureza quando provocada. Quando construímos nos leitos das ribeiras. Quando ignoramos os avisos marítimos ou os perigos das veredas selvagens das nossas serras. E também quando arrogantemente achamos que a Natureza ouve sequer uma milésima de segundo daquilo que o legislador deseja alcançar com as suas obras insustentáveis. A Natureza, tal como o carma, é sempre circular.
Sugestão da Semana: Contrariamente à frase repetida internacionalmente até à exaustão, o Natal não é passível de "ser salvo". Isto porque independentemente das circunstâncias exteriores, no interior dos nossos corações o Natal tem sempre lugar. Não é por nos faltar a poncha ou a partilha sociável que deixa de acontecer o milagre do Natal. Bem pelo contrário: se calhar, a maior dádiva que nos podemos dar uns aos outros neste Natal é o comportamento cívico adequado à situação pandémica de forma a reduzir os contágios do vírus.