Há dois anos que perdemos a normalidade política. Primeiro, devido à excecionalidade que a pandemia Covid-19 trouxe às nossas sociedades. O alerta da saúde pública e a rutura com o nosso quotidiano, trouxeram sérias consequências também na forma de agir dos partidos políticos.
Agora, é a situação geopolítica na Europa e na Eurásia que domina as agendas mediáticas. Vivemos num estado de alerta permanente devido ao perigoso contexto de segurança para a Europa. Não vale a pena tentar dourar a pílula com a aparência de medidas fiscais: também nós teremos que pagar um preço económico pela guerra na Ucrânia.
Perante o drama humanitário que se vive na Ucrânia pode parecer de mau tom olhar para o papel dos partidos de oposição no Ocidente. Mas quando se defende a liberdade e democracia na Ucrânia, não podemos ignorar o estado da democracia nas nossas sociedades.
Esta perda da normalidade política coloca uma dificuldade acrescida nos partidos de oposição, a quem é exigido uma união para superar o corriqueiro partidário, ao mesmo tempo que têm que manter ativas as suas funções de fiscalizador do executivo. Aliás, em democracia, esse abandono só aprofunda os efeitos da crise excecional e imprevista que vivemos.
Ainda para mais no momento tão crítico que vivemos - guerra na Ucrânia, preços exorbitantes da energia, dificuldades na produção industrial e agrícola, não esquecendo os efeitos da pandemia. Se os partidos políticos não servem para apresentar soluções para os maiores desafios que se colocam às vidas dos cidadãos, então não servem para muito.
Estranha-se - e torna-se deveras preocupante - o silêncio ensurdecedor do principal partido da oposição em Portugal - o PSD, recordarão. Só porque está "entre gerências internas" desde as últimas legislativas, não significa que fiquemos sem participação ativa do PSD no debate nacional até ao próximo congresso (julho!).
Compreende-se que ruído a mais sobre temas corriqueiros dos partidos é nocivo face à gravidade do momento político internacional que vivemos. Contudo, ignorar por completo o papel fiscalizador que a oposição tem sobre o executivo (ainda para mais perante a maioria absoluta de António Costa) é uma irresponsabilidade ainda maior.
Apesar de todas as bem-intencionadas tentativas, o PSD infelizmente ainda não conseguiu sarar as feridas da perda do governo em 2015 e precisa urgentemente de se redefinir e agregar forças de oposição democrática. Que esse tempo comece agora.
Sugestão da Semana: A "fuga de informação" da composição do novo executivo de António Costa aconteceu pouco antes da cerimónia nos Jerónimos que assinalou o arranque das comemorações dos 50 anos da Revolução do 25 de abril. Ignorando o frenesi em torno dessa fuga e o equilíbrio na relação Marcelo/Costa, convém olhar para o que de melhor essa cerimónia produziu. Sem dúvida alguma, a declamação do poema original de Alice Neto de Sousa. O poema chama-se "Março" pode ouvi-lo na página de Instagram da autora @alicensousa.