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Artigo de Opinião

Jornalista

21/11/2024 08:00

O regadio é essencial para a agricultura. Após as plantações, a água torna-se o recurso indispensável para que a produção tenha sucesso. Sem água, a agricultura dificilmente prospera, seja ela proveniente da chuva ou de outras fontes. Hoje, sendo um bem cada vez mais escasso, a água exige uma gestão rigorosa para que cada gota chegue à planta no momento certo. Como a chuva nem sempre é garantida, o regadio surge como solução indispensável para manter a vida nos campos e assegurar as colheitas de qualidade.

Nesta crónica, proponho um recuo no tempo para falar da realidade que acompanhei em Santana, sobretudo na década de oitenta. Naquele tempo, a água da rega era um bem raro e disputado, e a sua gestão exigia uma organização quase militar. Nesse tempo havia muitos mais terrenos cultivados. Tudo era aproveitado. A “água de giro” surgia sobretudo no verão. Nos meses anteriores brigadas de homens percorriam as levadas reparando o que havia para reparar e removendo todo o entulho acumulado. Nos campos, os agricultores conheciam o valor de cada hora de rega, e, entre eles, o levadeiro era a figura de autoridade responsável por garantir que a água chegava às terras no momento certo, sem desperdícios e com a máxima eficiência. Ele era uma espécie de árbitro. O levadeiro tinha uma missão: distribuir a água com justiça. Para tal, percorriam os caminhos e os campos, munidos de um búzio, um instrumento que anunciava a sua chegada. O som do búzio era um sinal. Não era só uma simples chamada de atenção, era uma promessa de que a água chegaria e que cada um tinha direito ao seu pedaço, à sua parte. Ele não se limitava a distribuir a água; geria os horários, controlava a duração do uso, fazia o balanço da necessidade de cada agricultor e, muitas vezes, decidia quem tinha mais urgência. Ele sabia que, sem água, as plantações murchariam e o sustento das famílias ficaria comprometido.

Cada agricultor tinha um número limitado de horas de rega, muitas vezes ajustadas de acordo com o calor do ano e a escassez do recurso. A distribuição era feita com a máxima precisão. Não havia margem para erro, e a responsabilidade recaía sobre o levadeiro, que anotava tudo num caderno que transportava numa caixa de metal vermelha denominada de “cadastro”. O espaço, o tempo e a quantidade de água eram dados preciosos. O ciclo das colheitas não podia esperar, por isso, a água era utilizada de forma incansável, a qualquer hora do dia ou da noite.

Naquele tempo, não havia a tecnologia que existe hoje. A rega era feita manualmente, por alagamento, e, muitas vezes, com grandes perdas. A água não podia ser guardada para depois. Aqueles que possuíam um poço podiam armazená-la, o que lhes dava uma vantagem na gestão do recurso. Aquele tanque (poço) era uma pequena fonte de autonomia, permitindo-lhes decidir o momento de regar, sem depender da distribuição do levadeiro. Os poços eram, assim, preciosos. Quem os tinha, via neles não só um meio de armazenamento, mas também uma forma de planeamento. A água tinha de ser aproveitada até à última gota. Não havia tempo para desperdícios, por isso, era comum que a rega fosse feita nas horas improváveis. Um agricultor que nesta semana regasse de dia, já sabia que na próxima passagem a rega seria à noite.

Com o passar do tempo, as soluções começaram a surgir. As autoridades, conscientes da importância do regadio para a agricultura, começaram a construir tanques públicos. Estes tanques permitiam que os agricultores tivessem acesso à água apenas durante o dia, evitando o caos e o desgaste que surgiam quando se regava durante toda a noite. A gestão da água, assim, tornou-se mais eficiente e controlada. Mas, mesmo com as novas soluções, o espírito de disciplina que caracterizava os levadeiros nunca se perdeu.

A história da água de giro e dos levadeiros é a história de um tempo em que a gestão dos recursos naturais era feita de forma artesanal e, em simultâneo, implacável. A água, esse bem escasso, era cuidada com zelo, pois todos sabiam que, sem ela, a vida nos campos seria impossível. O regadio, tal como a terra que se trabalha, tem de ser tratado com respeito. Na memória, daqueles tempos, onde a água de giro era a protagonista, fica a lição de que, mais do que qualquer outra coisa, é preciso saber gerir o que se tem, sem desperdiçar, porque a natureza, tal como a vida, é uma dádiva que exige atenção e cuidado.

“Levada nova” e “levadinha” era daí que vinha a água distribuída pelos vários sítios da freguesia.

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