Parece-me que a responsabilidade individual pelo bem comum esteja em vias de extinção. Hoje, como nunca, somos sensibilizados para a importância da autoestima e da autoafirmação. Que o mínimo que merecemos é o melhor para nós. Tudo certo, mas calma.
Desde quando cuidar da natureza, da localidade em que estamos inseridos, das pessoas que nos rodeiam e dos espaços públicos deixou de ser um dever de todos?
Fico com a sensação de que, agora, quem faz o que é certo é visto como tolo ou ingénuo. Sei lá: estacionar no lugar correto, mesmo que implique ficar mais longe; atravessar na passadeira quando o semáforo está verde; deixar limpas as casas de banho públicas ou de estabelecimentos comerciais; ao fazer as necessidades fisiológicas na serra, levar consigo o papel ou outros materiais que usou para depois colocar no lixo; ceder a cadeira a quem parece mais cansado ou atarantado; utilizar os ilustres: “bom dia”, “boa tarde”, “obrigado”, “desculpe” e “se faz favor”. Mais tolo é aquele que limpa uma rua ou uma vereda por vontade própria, apanha lixo que não é seu ou ajuda um estranho que está atrapalhado. Coitado daquele que, em público, elogia ou concorda com alguém que não defende o mesmo que ele. E unirem-se por uma boa causa maior? Erro crucial. É logo um sinal de fraqueza ou de estupidez. Ouvem sempre depressa: “Deves achar que vais mudar o mundo ou que alguém te vai agradecer?”
Os mais velhos acham que já deram o que tinham a dar, agora os outros que resolvam. Os adultos pagam impostos, têm direito às coisas como devem ser. Por isso, alguém que resolva. Os pais entendem que, para ter o certificado de excelência, devem fazer tudo pelos filhos, evitando as dificuldades e o sofrimento. Aquele que se atreva a desafiar a sua cria, não importa quantos anos tenha, é repreendido e tem de pedir desculpa, apesar do monte de relatórios a justificar o sucedido. As crianças e os jovens crescem sem saber lidar com contrariedades e com a ideia de que alguém vai resolver os seus problemas. Que os seus pedidos são uma ordem. E andamos todos nisto.
O que há? Desalento, falta de esperança. Sentimo-nos incompreendidos e de costas voltadas. Cada um que faça pela vida, convictos de que já ninguém vai pôr ordem nisto. Mais vezes do que gostaria, ouço: “Só mesmo Deus”. Creio que não estarei a cometer nenhuma heresia, mas Deus deu-nos o livre-arbítrio. Isso é o maior sinal de que somos nós, espécie social dotada de inteligência, que temos de agir. Não digo que Ele não ajude, mas não vai fazer o trabalho todo, até porque quem sabe como isto funciona somos nós. Só que isso dá trabalho. Preferimos passar o tempo a empurrar as responsabilidades para quem manda mais e já vamos em Deus Nosso Senhor. Lembrem-se, o seu é o limite.
E agora? Já podemos voltar à fase em que cada um de nós pensa nos outros, coopera e é proativo, sabendo que isso traz uma sensação de realização e propósito, e estamos a dar um exemplo positivo às gerações mais novas, mostrando-lhes a importância de cuidar do bem comum? Em que sabemos que viver em sociedade significa estarmos todos interligados e que as nossas ações, por mais pequenas que sejam, têm um impacto nos outros e no ambiente à nossa volta? Vamos resolver isto?