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Artigo de Opinião

Psiquiatra

29/10/2024 07:45

O mundo do trabalho está doente e em Portugal, particularmente tóxico. Se Portugal está em pior posição em termos de perturbações de ansiedade e depressivas, não é expectável que em relação ao trabalho, também estejamos mal colocados?

Dados da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) indicam que cerca de 25% dos trabalhadores europeus relatam sentir stress no trabalho “o tempo todo” ou “a maior parte do tempo”. No Reino Unido, 17% dos trabalhadores experimentam sintomas de depressão ou ansiedade devido a condições de trabalho e ambientes com baixa autonomia e apoio. Na União Europeia, estima-se que entre 10% a 15% dos trabalhadores sofrem de perturbação de ansiedade ou perturbação depressiva devido ao trabalho.

Em países como a Suécia e os Países Baixos, estudos mostram que entre 20% a 30% dos trabalhadores em profissões de alta pressão, como profissionais de saúde e docentes, apresentam sintomas de Burnout.

No nosso caso, um estudo do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis revelou que cerca de 80% dos trabalhadores estão em risco de Burnout e um total de 63% com vários sintomas. Uma visão muito acima da média europeia de 23%.

Este não é um problema novo, que se agravou depois da pandemia, com um aumento da sobrecarga profissional e a invasão da vida pessoal. A cultura portuguesa de trabalho é extremamente tóxica. O trabalho representa uma grande percentagem de tempo da nossa vida e continuamos a aceitar o quanto nos destrói.

Porque é que a cultura portuguesa é tóxica? Por mantermos a mentalidade hierárquica como um momento de êxtase narcísico, com momentos de tentativa de subjugação dos inferiores. A dificuldade de aceitação da necessidade de mudança e alteração de rotinas, os preferidos e preteridos, os que têm de trabalhar e os que ficam pasmados. E poderia continuar num enumerar sem fim de situações problemáticas interpessoais, que chegam muitas vezes ao ódio.

Para além das questões interpessoais, temos também a cultura instalada do número de horas a trabalhar, bem como da invasão da vida privada. Na maior parte dos trabalhos, parece ser suposto as pessoas trabalharem horas a mais sem serem compensadas por isso. Mesmo que sejam compensadas, não existe forma legítima de compensar o roubo da vida pessoal de cada um de nós, por termos de trabalhar mais horas. As horas que a nossa família/amigos perdem pela nossa ausência, o cansaço que depois transportamos para cada um dos eventos da nossa vida, ... não existe possibilidade de compensação real. E os que querem fazer horas a mais, fazem-no, na sua maioria, porque o salário não permite não as fazer.

Em Portugal acredita-se que mais horas de trabalho é igual a mais produtividade. Mesmo que sejam em horas extraordinárias. Cada um de nós é mais produtivo se trabalhar menos horas. O problema empresarial é simples, é mais caro para a empresa ter dois trabalhadores a 30 horas, do que ter um a 40, com 20 horas extra, que eventualmente metade são pagas em tempo ou dinheiro e as outras são entendidas como “faz parte” de “vestir a camisola”.

Múltiplos estudos concluem que a elevada exigência, baixa autonomia, ambiente hostil e insegurança no trabalho, são as principais razões para o trabalho causar doenças mentais. As duas primeiras estão presentes em quase todos os trabalhos, e explicam o sofrimento da maior parte dos portugueses.

O que fazer? Premiar quem trabalha, pagar bem, diminuir horas de trabalho, dar autonomia e respeitar a vida privada.

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