Passada a ponte, iniciávamos a subida na vereda ziguezagueante pela encosta, já na freguesia de Gaula, acenando de vez em quando à mãe e irmãs que, do muro divisório da nossa casa, ficavam a ver-nos subir no lado contrário.
Lá em cima, para os lados do Pico Norte, abundavam pereiros e macieiras.
O objetivo da viagem era a compra dos peros para sidra, que o meu pai fabricava em grande escala nas décadas de 50 e 60. Seria o maior fabricante de sidra na época, com uma média de oitenta mil litros por ano.
Fascinava-me a experiência, lisura e honradez do negócio. O meu pai olhava a copa da árvore, calculava a quantidade e qualidade da fruta e oferecia o preço. O aperto de mão era a conclusão do acordo.
Não havia contratos escritos, nem documentos probatórios.
A mãozada, firme e forte, olhos nos olhos, era o fecho da negociação. Às vezes um brinde a vinho ou cerveja consolidava a transação…
HOJE, NEM DE CONTRATO ESCRITO.
Hoje, não é raro acontecer, em alguns ramos de negócio, assinarem-se contratos promessa de compra e venda, sinal definido, execução específica contratualizada, profissionais experientes a apoiar, mas logo após a outorga do contrato, já se estar a magicar no incumprimento da obrigação acabada de assumir, na forma de apagar o compromisso, arranjando estratagemas em busca de vantagens que sempre se querem maiores.
VOU SER SINCERO
Chavão? Tique? Ou alçapão a demonstrar o que se é? Muitas vezes acontece-me ouvir:
- Olhe, agora vou ser sincero…
E a conversa continua… agora com sinceridade...
Sabem com que sensação eu fico? Quem tem necessidade de apelar e insistir e proclamar a sua sinceridade não é naturalmente sincero.
Agora vou ser sincero? Então, até agora não foi? O que me disse foi tudo treta, mentira ou invenção?
Isso é o sinal de que as narrativas serão sempre pejadas de meias verdades, de curvas e contracurvas nebulosas, de invenções e mentiras criadas, para vanglória, para suspense, para auto-valorização, para atingir qualquer objetivo que se tem em mente. Sempre que oiço: vou ser sincero, deixo de acreditar no que me contem.
COM TODA A HONESTIDADE
O mesmo se diga desta estafada expressão: - com toda a honestidade!…
Ui, apelar à própria honestidade é deixar um cartão de identificação de desonestidade. Precisar de realçar uma qualidade, que se diz possuir, é ter a consciência de que não se tem ou se não demonstra tal qualidade.
Como certos politiqueiros de adro, que apelam enfaticamente à honestidade da sua atuação, à transparência das suas atitudes e decisões.
Mas quem é naturalmente honesto não tem de valorizar uma qualidade que lhe seria inerente e faria parte do agir de cada dia.
Quando oiço: «vou dizer, com toda a honestidade», vejo-me sempre perante uma pessoa de honestidade duvidosa.
PALAVRA DE HONRA
Dar a palavra de honra significa que à promessa que se faz, ou ao compromisso que se toma, se dá como garantia a própria honra.
É querer dizer que se ficará mal consigo, que a fama de pessoa de bem ficará enlameada, se não for certo o que se afirma.
A realidade é que, cada vez menos, se oferece a honra por garantia.
O que mais abunda são as notícias falseadas.
Mudam-se os tempos, mudam-se os valores…