E escrevi aquele parágrafo em cima para quê? - interroga-se o leitor. Ora bem, parece-me que já compus esta crónica, ou o tema dela, e tal como Bukowski a única coisa que mudou foi o tempo, com isto não me quero comparar, de todo, com um dos mestres do realismo literário.
Quando era miúdo, talvez miúdo seja recuar demasiado no tempo, apontemos então para o período de adolescência, teimava que o mundo era branco e preto, não havia meio termo. As coisas eram ou não eram, não acreditava em coisas como anti-heróis, as histórias tinham sempre um herói e um vilão predefinido, na altura ainda não tinha conhecido o Tarantino, nem lido Camus. Esta minha maneira de ver o mundo toldava-me intelectualmente, como poderá o leitor imaginar uma pessoa que só vê duas cores quando o universo nos transmites milhares será sempre limitada nesse aspeto, claro que com a idade e a experiência comecei a ser capaz de abranger as restantes cores do espectro, tentando não simplificar essa minha nova capacidade, podemos dizer que descobri o cinzento, aquela área em que Vincent Vega e Meursault navegam. Aceitei que no mundo existem diversas opções de escolha e que nem sempre o que está certo, está efetivamente certo, e o que está errado, está efetivamente errado. Basicamente que branco e preto coexistindo continuam a existir mundo, mas que este passa a ser cinzento. Comecei a perceber as nuances que permitem o mundo girar, basicamente, algumas mais complexas que outras, outras mais simplistas. Acabei por apaixonar-me pelo cinzento.
Recentemente, observando o mundo, reparei que essa cor por que me apaixonei está a ficar cada vez mais esbatida, ao ponto de entrarmos na sequência de rotura do cinzento e o preto e branco tornarem-se cada vez mais salientes na sociedade. Ponho-me a pensar o porquê de isto estar a evidenciar-se cada vez mais, e de uma forma, assustadoramente, célere. A resposta mais simplista que encontro é culpar os logaritmos que nos dão as notícias que queremos, os artigos que desejamos, e que filtram a informação que nos agrada, tornando-nos menos tolerantes ao que quer seja, fechando-nos no preto ou no branco, esquecendo-nos do restante espetro.
Entramos em modo de futebolização do universo, em que defendemos com unhas e dentes opiniões infundadas simplesmente porque é o que queremos acreditar, como eu continuo a acreditar que o Abel Xavier não tocou a bola com a mão naquele fatídico 28 de junho de 2000, em Bruxelas. E como recentemente o próprio futebol já demonstrou, nem para ele é bom a futebolização.