Recentemente, o mesmo tipo de reacção, natural e compreensível, se bem que colectiva — por inerência, imposta —, causou atropelos tanto ao bom senso, como à liberdade dos indivíduos que compõem as diferentes sociedades. Agarrou-se a silva, pronto. Mas depois de agarrar a silva, há-que avaliar a decisão, em vez de escolher qual o feixe espinhoso a agarrar ao próximo susto.
A sociedade portuguesa ainda recupera do safanão de medo e da reacção espinhosa, e já o "previdente" governo cavalga o susto recente para lançar um ante-projecto de lei de emergência de saúde pública que, na minha modesta e leiga opinião, é mais do que agarrar uma silva; é manter os espinhos na mão bem fechada e rezar para que não doam, nem infectem.
Pelos vistos, quatro doutos juristas, escolhidos a dedo pelo confiabilíssimo governo, que hoje é fiscalizado por um parlamento cuja maioria absoluta lhe é mais do que simpática (subserviente?...), formaram uma honorável comissão que redigiu um texto que aparenta ofender a Constituição da República Portuguesa. Estas ofensas, segundo transparece, têm a ver com a protecção da liberdade individual, mero detalhe a que o ante-projecto parece não atender — antes pelo contrário.
De facto, tendo em conta os maledicentes constitucionalistas e professores de direito a quem a comunicação social foi oferecer microfone, aplicado este texto ao escasso universo legal português, o governo português teria apenas de consultar um conselho científico recheado de sumidades de nomeação política (quase todos pelo próprio governo), ou ter autorização externa da OMS, para aplicar uns quantos dos salvíficos atropelos à liberdade que vivemos recentemente. Podem até justificar-se, qual punho agarrado aos espinhos, num aperto, mas eu confesso que, teimoso como uma mula, prefiro que a reacção inicial seja mais orgânica e menos... ditatorial (porque o governo quer e pronto).
Há quem defenda que a segurança é mais importante que a liberdade. Eu discordo mas, mesmo que esteja errado, convinha que houvesse mais sociedade civil na decisão de pôr a polícia na rua a multar velhinhas que comem bolos na via pública, ou mandar fechar bancos de jardim. É que, além destes anedóticos pormenores, no limite, o governo terá o poder de mandar fechar, em casa ou numa instituição (não desobedeças!), quem quer que seja rotulado como um risco para a saúde pública. Este governo não o fará por razões menos honestas? Ok. Mas a lei fica lá. Pensará o actual elenco governativo eternizar-se no poder? Quem será o próximo a ter usufruto desta arma legal? Imaginem que é o político em que menos confiam. Dormiriam descansados?
Aos poucos, de boa intenção em boa intenção, o ar português perde abundância. O pulmão da liberdade, a tal "de Abril", perde capacidade vital; respira pior. Pouco a pouco...
Diria o meu avô, ao ver este sorridente gradiente de perda de liberdade por coisas bem intencionadas e bonitas: "Com papas e bolos se enganam os tolos".
Não sejamos tolos.