. Depois de uma caminhada a pique de 20 minutos, que senti os pulmões como se tivesse a correr uma maratona, sentei-me num rochedo a contemplar a Montanha das 14 Cores - sem dúvida uma das mais belas maravilhas naturais que os meus olhos já viram. Enquanto ali, a tentar recuperar o fôlego, uma mulher nos seus 40 anos aborda-me. Em espanhol diz-me: "Queres um pouco de mate? É bom para relaxar." Olhei à volta e quase todos estavam sentados, uns a beber o seu mate, outros a prepará-lo.
Ao longo das duas últimas semanas que passei a explorar a Argentina, descobri que o mate é muito mais do que uma simples bebida, confundida com chá. O mate é tradição. Faça chuva ou sol, os Argentinos levam para qualquer lado o termo de água quente, a caneca de mate e as ervas para o preparar. Mate é companhia quer se esteja com outra pessoa ou sozinho. O mate é amizade. E foi amizade que senti em contacto com os argentinos, fosse quando alguém ofereceu-me uma bebida quente no topo da montanha ou quando deram-me 100 pesos porque não tinha mais troco comigo.
Por duas semanas deixei os sapatos de salto na Bélgica e calcei as sapatilhas para viajar pelo centro e norte argentino. Se lhe dissesse que o país que encontrei era o que eu esperava, mentir-lhe-ia. Como muitos de nós, inebriados pelas notícias más que muitas vezes chegam-nos da América do Sul, tinha uma ideia pré-concebida daquela zona do globo. "Tem cuidado, sabes que a América do Sul é perigosa", vários disseram-me. Cheguei ao aeroporto quase à espera de encontrar favelas a cada 15 metros. Como estava enganada... Não houve um momento em 15 dias que me tivesse sentido ameaçada. Aliás, atrevo a dizer-me que Buenos Aires é uma das capitais onde mais senti-me segura. Tem personalidade, é dinâmica. Descobri-la e aos seus bairros, cheios de vida, foi como entrar num filme onde todas as personagens são as personagens principais. O bairro de San Telmo fazia-nos querer dançar com o seu tango. O bairro de La Boca ensinava-nos sobre a grandeza de Maradona, de facto visto como um Deus, com murais de devoção por todas as ruas.
Foi em La Boca, junto à Bombonera, Estádio do Boca Juniors, que troquei ideias sobre futebol com um jovem vendedor de choripan (a versão argentina de pão com chouriço). Vestido de azul e amarelo, as cores do Boca Juniors, Juan perguntou-me de onde era (é claro que o meu espanhol com sotaque português foi a primeira pista). De Portugal, respondi. Curioso por saber mais, perguntou-me de que cidade. "Madeira, conheces? Uma ilha no Atlântico." Confuso sorri e abana a cabeça que não sabia. Não me lembro a última vez que disse a alguém que era da Madeira e não sabiam onde era. Resolvo entrar a matar: "Conheces o Cristiano Ronaldo? Da mesma ilha." A sua expressão facial muda e é como se por magia a camisola do Boca desaparecesse, para vestir uma camisola com a cara de Maradona e Messi. "Sim, sei. Mas neste bairro, esse nome não é pronunciado. Aqui Deus só há um e Messi vem logo atrás", diz-me com alguma seriedade, mas meio que em jeito de brincadeira. Ao ver o meu ar de vergonha, ao achar que tinha ofendido um local, volta à feição risonha e põe-me na mão um pin do Boca Juniors. "Mas fairplay sempre. O amor ao desporto é o que importa", continua, passando a dizer-me o quanto Portugal lhe parece bonito.
Já estive em quase 40 países e é por estes pequenos gestos que fui experienciando pela Argentina, que ponho este país no meu top 1: pelas suas pessoas, pela sua alegria de viver, pela bondade, pelo fairplay, pela beleza, até pelo mate. Porque viajar é descobrir que a maioria das ideias pré-concebidas que temos sobre outros países estão erradas.