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Artigo de Opinião

Numa dessas mesas duas mulheres e um homem, jovens, conversam animadamente em inglês, com sotaque americano. A certa altura torna-se difícil não acompanhar o que dizem. Falam de temas sérios, de forma honesta, escorreita e aberta, sem rodeios das suas experiências de racismo.

Uma das mulheres, de pele ligeiramente bronzeada, define-se como «norte-americana, um quarto irlandesa, um oitavo asiática» e diz que desde muito cedo que a fizeram sentir-se "não-branca", no Oregon natal.

A outra, de pele, cabelo e olhos claros, confessa que as suas experiências de racismo são maioritariamente em segunda mão. Ainda assim reconhece que este tipo de relatos a ajudaram a ter noção do problema e a perceber a sua posição de privilégio social neste campo.

O homem, que percebo ser filho de um casal luso-germânico, terá vivido a maior parte da sua vida na Alemanha. Pele clara, olhos e cabelo castanhos, não muito escuros, claramente "branco" segundo o "standard" português. Porém, apesar da ascendência, da naturalidade e da imersão desde o nascimento na cultura alemã, relata experiências de pequena discriminação, de acentuação de diferenças, até mesmo por parte de um professor da sua turma. Na altura, consequência do ativismo político e do envolvimento de cidadania por parte da mãe, acabaria por receber um pedido de desculpas público por parte da direção da escola, a assistir à suspensão temporária do professor em questão e a formar uma amizade sólida com um colega de ascendência germano-libanesa.

Mas a tomada de consciência da dificuldade de um "eu" único, da pluralidade da sua identidade, veio na forma da pergunta quase inocente de colegas de escola, no final da adolescência: Sentes-te alemão ou português? Ora que pergunta… À parte algumas curtas visitas a Portugal, de férias, nunca duvidou de que era alemão. Óbvio. Ou não?

A pergunta teve o condão de estimular a sua curiosidade sobre essa sua herança e decidiu vir passar seis semanas consecutivas em Portugal na primeira hipótese que teve. Diz que só então tomou consciência de que também era produto dessa cultura e frisa o "também". É a mistura, a diversidade cultural da sua família, mas também da família do seu melhor amigo e de outras pessoas com quem se cruzou quando foi aprofundar a sua formação nos Estados Unidos que hoje sente que o definem. Também sabe que é "não-inteiramente-branco" nos EUA. «Lá as pessoas hesitam», graceja, «talvez latino, talvez judeu, talvez árabe. Acho que sou um pouco disso tudo e muito mais do que apenas isso».

Não consigo deixar de tentar traçar o paralelismo com os filhos da nossa diáspora. Como se veem, como nos vemos uns aos outros, nós os descendentes de portugueses, de açorianos, de madeirenses espalhados pelo mundo. Como se vêm os descendentes de madeirenses e de outros povos que recentemente têm optado pela Madeira como porto de abrigo ou como ponto de partida para uma nova vida? E quem não saiu? Tem consciência das doses da sua mistura?

Lisboa está cheia de esplanadas cheias. Cheia de gente jovem e otimista, gente que faz planos e tem ideias para o futuro, gente que não se limita a passar férias. Gente que quer (e consegue) investir em alojamento, em restaurantes, em pastelarias e cafés. Com esplanadas. Porque sabem que estas vão encher-se de gente jovem, otimista e alegre, alguma de pele clara e olhos multicolores, outra de olhos escuros e pele multicolorida.

Por cá, vejo e ouço os relatos de dificuldades de jovens, com outro passado cultural, que confiam e querem investir na Madeira, gente empreendedora, mas que se depara com obstáculos velados, protecionismos bacocos e entraves criados pelos poderes instalados, como os que os trouxeram aqui.

Que desperdício…

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