Desde a decomposição das características prévias de algo, passando pela degradação moral e pela troca de favores em proveito próprio e prejuízo de terceiros, a corrupção tem faces para muitos gostos. Neste texto vou ignorar a putrefacção da matéria, e concentrar-me nas putrefacções moral e intelectual.
A corrupção moral ocorre, por exemplo, quando nos comportamos de forma diferente daquela que acreditamos, ou fazemos acreditar, ser a correcta. Quando um gestor da coisa pública, tantas vezes visto como farol a seguir entre as incertezas da vida, nos solicita um sacrifício espera-se, no mínimo, que dê o exemplo. Quando nos exige, à conta desta peste pandémica que ora nos asfixia, a limitar o movimento ao estrita e absolutamente necessário — excitando os fiscais, formais e informais, à vigilância do próximo — não se espera que faça inaugurações presenciais ou corra a medalhar pessoalmente um desportista vencedor. Isso seria intelectualmente desonesto; uma corrupção moral. Tais coisas só seriam compreensíveis se não fosse possível dar aulas numa escola sem que esta tenha sido oficialmente abençoada, ou que um atleta fosse privado da sua vitória se um Primeiro-Ministro não acorresse, com pressurosa urgência, a medalhá-lo em nosso nome.
Já o tipo de corrupção que hoje a todos preocupa implica a troca de favores com prejuízo de terceiros. Quem é efectivamente prejudicado é importante na compreensão dos mecanismos que a ela levam. Um indivíduo que, sendo o gestor de uma empresa privada, cede aos encantos da mulher e contrata o primo desta em vez do candidato com melhor perfil para o cargo, prejudica, potencialmente, a sua empresa. Também prejudica o candidato preterido, apenas na medida do tempo e recursos que este investiu na candidatura. Quanto ao emprego, sendo competente, arranjará outro noutra empresa, até onde os seus colegas sejam competentes em vez de primos.
Quando a corrupção implica o uso do erário público ou regulamentação feita à medida do corruptor, ou ambos, então estamos a falar de grande prejuízo para muitas pessoas, incluindo os contribuintes, os funcionários públicos que cumprem, diligente e responsavelmente, funções importantes para a sociedade, e os empreendedores que se veem impedidos de entrar no mercado por causa das leis e adjudicações corrompidas. O estrago é imenso — não penso que esteja a dar novidades ao leitor. No eixo desta corrupção está o poder para limitar escolhas e comportamentos, e para alocar o investimento público.
Imagine o leitor que, por hipótese, um dado burocrata não tem o poder de impor uma taxa de entrada num dado mercado, ou qualquer outra regulamentação que limite essa entrada. Sem a taxa, o leitor teria a entrada nesse mercado facilitada, e os consolidados desse mercado ver-se-iam confrontados com mais concorrência. Havendo esse poder, custa menos ser simpático para com o burocrata, pagar a taxa e manter o lucro alto à custa de falta da concorrência do leitor.
De cada vez que clamamos por mais Estado, mais taxas e regulamentos, mais poder damos ao burocrata. Assim se aumentam as oportunidades de negócio deste; seja em Euros... ou mais poder. Ele agradece — e ri-se.