Refiro-me a "Quem tem medo de Virginia Woolf?", a peça que o Teatro Feiticeiro do Norte levou ao Teatro Municipal Baltazar Dias, durante quatro dias. Um texto de Edward Albee que discorre pelo medo dos "lobos maus" da vida, relações superficiais e de conflito, de solidão e desesperos - mas também do medo de a vivermos, à vida, sem ilusões e fantasias... E o Élvio, a Isabel, o Alexandre e a Marcila foram imensos nas suas criações dramáticas!
No dia seguinte foi a vez de ver "Andou um Anjo pelo cais", de Fernando Augusto, dramaturgo português, no palco do Cine Teatro de Santo António, pelas mãos da ATEF. Um texto capaz de comover até às lágrimas quando enaltece a cumplicidade entre personagens marginalizadas que se reencontram entre si e em si mesmas, noite após noite, no bar do "Galego" - um diálogo entre as escolhas e as imposições fatídicas da vida que num instante se esvai, sob o jugo da violência da "cidade grande e da escuridão de um rio", imenso e temeroso, que entra diariamente nos olhos (e na alma) destes seres "marginais" - prostitutas, alcoólicos e toxicodependentes das noites de Lisboa, ou de qualquer outra cidade... A intensidade do texto magnificamente interpretada por cada um daqueles actores, emocionou, inesperadamente, muitos dos espectadores até às lágrimas. Foi um dos maiores trabalhos do TEF, atrevo-me a dizê-lo, pela batuta de um magnífico encenador, que é o Miguel Vieira.
Em cena, esteve também "O infinito estrangeiro", no MUDAS. Museu de Arte Contemporânea da Madeira, um trabalho a que ainda me falta assistir, mas que, dizem-me várias testemunhas credíveis e de bom gosto cultural, se trata de outro grande trabalho, desta vez dirigido pelo Ricardo Brito, em torno de "reflexões que surgiram com a leitura das obras "O estrangeiro" de A. Camus e da "Totalidade do infinito" de Emmanuel Levinas.
Ou seja, trabalhos por actores, dramaturgos e encenadores que sabem "amar o Teatro em si mesmos, e não a si mesmos pela arte".
Perante tais trabalhos (e haverá outros a que não consegui, ainda, assistir) que dignificam, à escala nacional, o teatro regional, não é tempo de se reforçarem os apoios ao teatro madeirense? Que governantes são os que destratam os agentes artísticos e culturais regionais, inclusive quando há quem há 50 (cinquenta!) anos não deixa que o teatro morra na nossa região? É porque, comprovadamente, o teatro é fundamental para a formação cultural de qualquer povo? E que o faz, ao povo, "olhar com atenção" ("theaomai", do grego...) toda a encenação sociopolítica de alguns protagonistas políticos, regionais e nacionais, por estes tempos? É que o teatro pode, de facto, transformar uma sociedade. Talvez por isso, tenha sido perseguida, esta arte, em tempos de privação de liberdade, de expressão, de protesto e de manifesto - o que o cimentou, ao teatro, como uma actividade não só artística, mas também intelectual, capaz de pensar e debater as dores de um povo pelo seu cunho filosófico e de contestação.
Felizmente, há quem resista, e estando ciente do peso cultural e social desta arte, ainda recrie espectáculos de grande expressividade assumindo-se como uma ferramenta de educação dos povos.
"A cultura é a opção pacífica mais revolucionária a longo prazo" - o que, obviamente, parece assustar o poder político vigente destes dias...
Sílvia Vasconcelos escreve
à quinta-feira, de 4 em 4 semanas