A última semana trouxe-nos a instalação da Assembleia da República, bem como a pouco surpreendente dissolução da Assembleia da Madeira. Mais surpreendente, ou talvez não, referiu-se ao enterro definitivo do sentido de Estado e da ética institucional nas reuniões em Belém. Se após os “leaks” integrais do Conselho de Estado ficava a dúvida, e enquanto recaía sobre Ventura o ónus de delação das conversas com o PR, quando após audiência revelava as (alegadas) palavras de Marcelo, as consultas com os partidos da Madeira pré-dissolução veio revelar um denominador comum nesta bilhardice generalizada. Marcelo. Arrisca-se assim a que um qualquer Cafôfo, ao estilo de Ventura, revele precocemente que a decisão já está tomada antes da encenação institucional.
Sem CHEGA
O que se passou, por outro lado, na votação da mesa da AR, foi indecoroso. O líder parlamentar cessante do PSD, Joaquim Sarmento, ligou aos congéneres dos 3 maiores partidos que, regimentalmente, podem propor nomes para a mesa. Revelou que o PSD aprovaria as respetivas propostas para vice-presidente, e que apresentaria o consensual Aguiar Branco para presidente, esperando reciprocidade de voto. Por todos foi anuído (i.e. PS, CHEGA e IL). Aguiar Branco teve a cordialidade de efetuar contacto semelhante. Informal, mas enquadrado na práxis parlamentar. Acto contínuo Ventura espalha aos 7 ventos que, por fim, o PSD havia cedido, e cá estava o “acordo” mendigado pelo CHEGA. Um acordo, que não era acordo, que não foi exclusivo ao CHEGA, e que apenas se referia a uma votação regimental na AR, não à governação. Os seus sequazes, devidamente amestrados, repetiram ad nauseam nas horas seguintes, nos incontáveis espaços de opinião da TV. Quando questionados, Paulo Rangel e Nuno Melo, laconicamente esclareceram que não houvera qualquer acordo.
Ventura aproveitou a oportunidade, para um ato de terrorismo político. Sem devolver o contacto, dá indicação às suas 50 marionetas para se absterem. O PS, que pouco fica atrás nesta história, embora sabendo que o “acordo” papagaiado por “Ventura & his Boys” resumia-se a um contacto semelhante ao que recebera, vê na verborreia de André (ignorando os desmentidos da AD) a oportunidade para se abster, quebrando mais uma vez a ética parlamentar, e legitimando o argumentário do CHEGA, afirmando “se havia acordo à direita, não eram necessários os votos do PS”. Sempre os socialistas a alimentar a direita radical.
Se falta houve do PSD, foi a comunicacional, já que devia ter, na hora, esclarecido. Numa época de vertigem mediática e redes sociais, não se pode estar 24h para clarificar, quando já ninguém quer ouvir.
Não foi a primeira vez que o PS atirou para o lixo a ética parlamentar. Em 2015 o partido mais votado, PSD, apresentou Fernando Negrão para a presidência. O PS, com o apoio da esquerda “geringoncica” quebrou (mais) um entendimento da III República, impondo o inenarrável Ferro Rodrigues para macular o posto de segunda figura do Estado.
Mas também em 2022 os socialistas pecaram, ofendendo um legado de dignidade Institucional herdado por nomes como Soares, Guterres ou Constâncio. Se no chumbo a Pacheco Amorim e Mithá Ribeiro socorreram-se aos princípios antidemocráticos do seu partido, nunca conseguiram justificação para a rejeição de Cotrim Figueiredo da IL, originando uma indecorosa dupla vacatura na presidência da mesa. Portanto, Business as usual.
Já o Chega mostrou que todo e qualquer entendimento, conversa, ou sequer solidariedade de bloco (de direita) é uma utopia. Esquecendo a mentira, de que Ventura havia indicado voto em (Aguiar) Branco, é importante lembrar que inviabilizou um nome consensual direita, ao arrepio da sua própria propaganda. Pior, na segunda volta das votações entre Aguiar Branco e Assis, não conseguiu escolher o nome da direita, permitindo uma vitória parcial de Assis (90 votos contra 88). Está, por fim, desmoronada a narrativa do antissocialismo e do posicionamento à direita. O CHEGA não está em lado algum. É como aqueles zaragateiros que vendo alguém a reclamar, ou uma pancadaria, correm para se associar ao momento e tirar alguma vantagem.
A prova que com o CHEGA não há possibilidade de diálogo, relacionamento ou confiabilidade. Algo a ter em conta pelo meu partido nas regionais. Mesmo engolindo o sapo de colocar nas costas as ofensas, alarvidades que os sequazes regionais de Ventura têm proferido, fazer um entendimento governativo com um partido anti autonómico, arriscávamos a que roessem a corda um mês após a tomada de posse. Quedaríamos sem honra e sem governo.