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Artigo de Opinião

Economista

22/04/2023 08:00

Contudo, convém salientar que a controvérsia em torno da visita origina em fatores alheios às relações bilaterais. Primeiro, ocorreram efetivamente atropelos à separação de poderes em Portugal, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros português "anunciou" que Lula da Silva iria figurar na sessão solene do 25 de abril na Assembleia da República, sem que esta se tivesse pronunciado. Um atropelo resolvido com a realização de uma sessão paralela de boas-vindas ao Presidente brasileiro.

Outro fator externo à relação Portugal-Brasil prende-se com as polémicas afirmações de Lula da Silva sobre a guerra na Ucrânia, aquando da sua visita oficial à China. Ao dizer que os EUA "incentivam" a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o Presidente brasileiro foi duramente criticado e a Ministra da Defesa portuguesa já se comprometeu a partilhar com Lula da Silva o posicionamento português sobre a guerra na Ucrânia. Colocar a vítima e o agressor como iguais na balança das negociações é evidentemente um erro político.

O Chega, na sua função de pequena sucursal bolsonarista em Portugal, faz-se ouvir pelo TikTok cantando músicas brasileiras em playback com a legenda "Presidente Lula, não será recebido em festa em Portugal". Este festim com o imbróglio das declarações de Lula da Silva em Beijing, parece ignorar o contexto em que afirmou a sua vontade de paz no conflito. É o habitual modo leviano-populista do Chega. Ora, os mais atentos recordam-se certamente de que Jair Bolsonaro foi criticado pela sua postura face à Rússia. Enquanto presidente brasileiro, Jair Bolsonaro reuniu em Moscovo com Vladimir Putin, escassos dias antes da invasão russa da Ucrânia, quando esta já estava iminente. E mais: na ocasião Bolsonaro disse estar "solidário" com a Rússia. Bem pior que as declarações de Lula, entretanto aclaradas com a sua condenação da violação da integridade do território ucraniano pela Rússia.

A visita oficial do presidente brasileiro a Portugal reflete o regresso do Brasil à comunidade internacional, e isso não se encontra nas contas ligeiras do TikTok. O Brasil está a procurar afirmar-se num contexto de geopolítica multipolar, em que é a primeira letra dos BRICs, independentemente de quem está no leme da presidência brasileira. Navega assim diplomaticamente entre os grandes poderes, procurando uma autonomia que se traduza em relações económicas diferenciadas, colocando-nos um desafio perante o que é a realidade atlântica (de que o Brasil faz parte). O Chega é o mero flautista de Hamelin do TikTok: hoje goza com o Lula, amanhã, quem sabe se não leva o cortejo com Bolsonaro para Moscovo.


Sugestão da semana: Em vésperas do 25 de abril, convém recordar que independentemente das filiações partidárias todos os democratas saíram vencedores da revolução. Por isso não se compreende como é que a CMF, ao divulgar o seu interessante programa de celebrações da Revolução dos Cravos tenha acrescentado que esta data - e cito - "merece opiniões contraditórias dos que acolheram com entusiasmo e das que a sofreram negativamente. (...) a eles a CMF presta a sua homenagem". Quem verdadeiramente "sofre negativamente" com a Revolução? O Estado Novo e a União Nacional? Que estranha homenagem.

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