Placa Central, Funchal. Um ambiente de festa, música e luzes. Barracas de poncha e licores caseiros brilham entre a multidão. Manuel está radiante, carregado com sacos de compras e cheio de energia. Joaquim surge com um ar mais reservado, tentando escapar à agitação.
Manuel: Joaquim! Tu por aqui? Milagre de Natal ou andaste a fugir da tua mulher e acabaste por tropeçar na festa?
Joaquim: [suspirando] Milagre nenhum, Manuel. Vim buscar umas broas e fui engolido pela multidão. A sério, onde há tanta gente no Funchal durante o resto do ano?
Manuel: Ah, isso é o espírito natalício! Olha à tua volta: castanhas, poncha, e, claro, conversas animadas. Mas sabes o que também é animado? A política da Madeira. Já viste este circo? Gajos que dizem uma coisa e fazem outra. Apoiam e desapoiam. Agora vamos começar o ano sem orçamento e sem governo. E o Albuquerque a querer recandidatar-se com os 50 mil processos em cima?
Joaquim: [revirando os olhos] Lá vem tu com a política. Tou farto. É tudo a mesma coisa. Não quero falar nisso.
Manuel: Mas tens de admitir que é hilariante. O Paulo Cafofo, por exemplo... aquele homem quer tanto chegar ao poder que já nem tem cabelo para arrancar! Aliás, ele nunca teve, mas agora parece nervoso de verdade! Entre pedidos de casamento recusados e as orelhas quentes, o coitado já não sabe se pede votos ou uma vaga na escola do Campanário.
Joaquim: [com um sorriso irónico] Já acabaste, ou vais continuar até ao Ano Novo?
Manuel: [empolgado] Espera, ainda há o Chega! A sério, o Ventura manda-lhes mais ordens que os turistas a pedirem espetada. Só faltava virem com “pau mandado” escrito na camisa...
Joaquim: [interrompendo] Já chega, Manuel! Não quero saber de política. Não quero ouvir falar de Albuquerque, Cafofo ou Ventura. Prefiro ouvir os altifalantes desafinados do que isso.
Manuel: Estás mal disposto! Vá, então, e o nosso Marítimo? Três treinadores em quatro meses! O diretor desportivo já foi à vida, jogadores a sair como se por cá houvesse uma praga qualquer, e agora dizem que até há um da direção pode ir para a Federação Portuguesa de Futebol. E dentro de campo? Nada. Parece um presépio, tudo parado.
Joaquim: [tentando mudar o assunto] És um poeta da desgraça, Manuel. Mas sabes que mais? Também não quero falar do Marítimo.
Manuel: [chocado] Não queres falar do Marítimo? Isso é quase blasfémia na Madeira!
Joaquim: [com firmeza] Exato. Não quero. Chega de tragédias.
Manuel olha para ele, pensativo. Dá uma pausa dramática antes de mudar de assunto.
Manuel: Bom, ok, muda-se de assunto. E aquele atropelamento na Alemanha, num mercado de Natal? Que coisa horrível! Um tipo maluco que levou uma série de gente com ele. E dizem que era Dr.? Psiquiatra! Podia ser aqui!! Parece que o mundo está virado do avesso, cheio de gente com diplomas e cabeças vazias. E depois criticam a polícia por fazer rusgas. É emigrante, imigrante... com ‘e’, com ‘i’... nem sei?
Joaquim: [franzindo o sobrolho] Como é?
Manuel: [sem parar] Em Lisboa. Aquilo é que foi uma confusão. Uns a dizer que a polícia agiu bem e que tinha de pôr ordem na casa, e outros a gritar que era coisa ao estilo das SS nazis. Qualquer dia a polícia nem pode pedir os documentos a alguém sem ser acusada de querer reeditar a Segunda Guerra Mundial. Mas olha lá, malucos a atropelar pessoas, grupos a traficar armas... achas que isso se resolve com “por favor” e uma chávena de chá?
Joaquim: [suspirando profundamente] Nem acredito que estás a puxar isso agora. Manuel, vou ser claro: é Natal. Não quero falar de tragédias. Nem lá fora, nem cá dentro.
Manuel: [hesitante] E os turistas, hein? São mais que muitos e ocupam isto tudo. E agora para comprar casa... até arde. Olha aí uma porrada deles...
Joaquim: [ríspido] Manuel...
Faz-se um silêncio constrangedor. Os dois olham em volta, observando o movimento. Ouve-se um grupo de pessoas a rir alto numa barraca próxima. Uma música natalícia toca nos altifalantes.
Manuel: [após a pausa, com um sorriso travesso] Sabes o que mais, Joaquim? Vamos beber uma poncha e não se fala mais nisso.
Joaquim: [aliviado] Finalmente, dizes algo de jeito. Vai à frente, que desta vez sou eu que pago.
Os dois seguem para a barraca de poncha, desaparecendo na multidão, enquanto a conversa se dissolve na animação do mercado.
Um feliz Natal!