Quando começamos a esquecer o inesquecível? Quando começamos a acreditar no impossível? As datas que pensámos guardar para sempre? Os sorrisos? A luz a determinada hora do dia? As casas e os jardins onde fomos felizes? A dimensão que não existe mas que caminha ao nosso lado como possibilidade?
No fundo, toda essa quantidade imensa de inesquecível e impossível é a matéria da memória e do esquecimento, as duas como realidades que se sustentam e assim sobrevivem mutuamente.
O mecanismo da memória vive do que esquecemos e lembramos, vive dessa matéria volátil que constrói a nossa matéria e a matéria do mundo.
E, mesmo o que esquecemos, regressa, por vezes, de um lugar profundo até à superfície e é que como se pudéssemos recuperar a respiração primeira das coisas.
A vida é essa sucessão de impossíveis que se tornam reais. O impossível de esquecer, o impossível de lembrar, o impossível de viver, o impossível de acabar até que acaba, o impossível de aguentar e, por dentro de tudo, sempre a possibilidade de transpor o impossível e o inesquecível.
Não fosse a ideia de um impossível e não avançávamos, nem teríamos matéria de esquecimento e memória, não teríamos a nossa realidade e a nossa ficção, como dois lados de uma mesma verdade.
Somos essa coisa real que persegue a irrealidade, essa coisa mortal que se julga imortal, esse finito que tem o infinito como meta e horizonte. Somos sempre essa caminhada até uma linha imaginária que está lá não estando.
Desta dialética de contrários, faz-se a nossa humanidade, mas também a quimera que nos constitui e que se torna tão real como o nosso peso sobre a terra e os dias.
Talvez a única forma sustentável de sobrevivência seja esta de nos equilibrarmos no possível, mas mantermos, em simultâneo, essa capacidade de um impossível que levamos como coisa concreta. Somos um sonho que sonhamos e somos uma matéria que acaba. Estas duas dimensões é que nos dão a razão última de continuar a avançar, é que são a força propulsora de uma transcendência que nos torna reais.
Não avançamos só de matéria, de forças que se testam e equilibram, avançamos também pelo impossível, pelo inesquecível e pelo esquecimento, pela memória e pelo fim que sabemos real e pelo infinito que perseguimos como a totalidade que somos.
Somos feitos de impossíveis, desde aqueles que sabemos ser reais e por isso os perseguimos, até aqueles que combatemos como os moinhos de vento de D. Quixote.
A verdade do que somos tem tanto de realidade como de impossibilidade. Não é por acaso que gostamos de histórias desde que nos fazemos linguagem. Vivemos embalados por esse ‘era uma vez’ das histórias, que não é mais do que todas as possibilidades em aberto, mesmo aquelas que sabemos ser impossíveis, mas cuja existência sustém a real e verdadeira matéria do mundo.
Manter todas estas possibilidades em aberto, as possíveis e as impossíveis, as inesquecíveis e as que se esquecem, a memória e o seu reverso, é não perder o equilíbrio de sermos mortais e eternos. É este o verdadeiro sopro que nos suporta e transporta.