No texto de opinião publicado nestas mesmas páginas há quatro semanas, escrito algumas horas depois do início da guerra na Ucrânia, partilhei convosco a minha convicção de que, ao desafiar as lições da História, Putin estaria a cometer um erro grave e de consequências imprevisíveis. Passado um mês, mantenho a mesma posição, agora mais informada por 30 dias de uma guerra brutal - as guerras são sempre brutais.
À medida que o tempo passa chegam cada vez mais relatos de que Putin tomou a decisão de atacar e invadir a Ucrânia baseado em informação defeituosa (para não dizer falsa). Segundo dados recolhidos pela FSB, o serviço de inteligência que sucedeu à KGB, a população ucraniana estaria descontente com o seu governo e mostrava desconfiança nas instituições do Estado, com a exceção do exército. Terá sido esta a informação que terá levado Putin a apelar à sublevação do exército ucraniano e à consequente deposição de Zelensky logo nos primeiros dias da invasão. Não será por isso surpreendente que se confirmem os rumores da demissão e prisão domiciliária do diretor da FSB, Alexander Bortnikov, que é ao mesmo tempo apontado como possível sucessor de Putin no caso de um (ainda) improvável golpe interno.
Confirma-se também que esta ofensiva, para alguns feita em nome de uma suposta "segurança da Rússia", encontrou mais oposição no ex-Bloco Ocidental do que teria sido antecipado pelos russos. Efetivamente, esta invasão provocou o reforço de uma União Europeia que mostrava sinais de fragmentação e aumentou a perceção da necessidade da NATO, que vinha a decrescer nas duas últimas décadas. Sem surpresa, os governos dos países que integram estas estruturas já começam a reforçar as verbas para a defesa e os respetivos contributos para a Aliança, sob o aplauso da maioria dos seus cidadãos, algo que seria quase impensável há dois anos. O ex-Presidente dos Estados Unidos que o diga…
Mas a imprevisibilidade decorrente de uma escalada militar (mais do que previsível no caso do envolvimento direto da NATO neste conflito, passe a aparente contradição), faz com que este reforço da aliança Atlântica não garanta, por si só, o equilíbrio dissuasor suficiente para parar ou mesmo abrandar a devastação da Ucrânia. E mesmo sem o envolvimento direto da NATO não será certamente resultado de uma vitória militar.
A superioridade militar da Rússia sobre a Ucrânia em termos de equipamento e meios humanos disponíveis é inegável. Ainda assim a vitória da Rússia está longe de ser um dado adquirido. Por um lado, fruto da aposta inicial: um ataque em múltiplas frentes, procurando capturar vários objetivos em simultâneo. Nas suas contas, tal levaria à divisão ineficiente dos meios de resposta defensiva ucraniana perante a incapacidade de resposta a todas as ofensivas. Porém a Ucrânia concentrou-se na defesa das cidades mais importantes, onde as táticas de guerrilha e de guerra de insurgência têm maior capacidade de sucesso. Por outro lado, o maior poderio militar russo passa também pela possibilidade de uso de armas químicas, biológicas e, no limite, nucleares. Ora Putin sabe que o uso de qualquer uma destas armas puxará para o conflito a EU e a NATO, o que reabre o cenário de destruição mútua assegurada e que, obviamente, não deseja. Se não as usar, perde essa vantagem avassaladora. Numa guerra convencional, contra um inimigo acantonado no seu território, que defenderá sem medo da morte, sofrerá pesadas baixas.
Quanto à Ucrânia, a noção de vitória resume-se a uma questão de sobrevivência, pura e dura, e à recuperação do controlo efetivo de um país que precisará de ser reconstruído, repovoado, refundado.
É neste cenário de vitórias impossíveis só um acordo traduzido num cessar-fogo duradouro permitirá evitar uma escalada da guerra e uma crise humanitária ainda maior - e já vamos em 4 milhões de expatriados.
Infelizmente, desconfio que passarão ainda longas semanas antes de se conseguir passar à fase contrária da famosa frase de von Clausewitz (que repito em epígrafe), em que finalmente se dará lugar à Política para continuar a Guerra por outros meios…
Mas, nisto, desejo muito estar errado.