No espetro desportivo, nos últimos meses, temos assistido à discussão sobre os problemas do Campeonato do Mundo de Futebol, no Qatar. Atentados claros contra os direitos humanos, a inexistência de condições elementares de trabalho e as restrições de liberdade de imprensa são os temas mais frequentes quando se escreve sobre a prova. A FIFA voltou a desconsiderar o poder que o futebol tem na promoção dos valores que clama defender, circunscrevendo a prova a uma visão meramente financeira, ainda que sob uma capa de espírito desportivo.
Da mesma forma que os ambientalistas travam uma luta, muitas vezes, solitária, quem defende os valores basilares relegados ao esquecimento pela Federação que tutela o futebol internacional, entra num combate pouco efetivo. Não haverá muitos adeptos que se mostrem simpatizantes da quebra de princípios com que a organização pactuou, mas os efeitos práticos no campeonato serão ténues. Não está apenas nos adeptos a responsabilidade em romper com essa quebra de valores. As federações continentais e nacionais, as várias marcas comerciais associadas ao evento e os governos que apoiam, direta e indiretamente as seleções, terão um papel importante na legitimação dos atropelos e dos crimes que estão associados ao evento.
A primeira competição mundial do futebol a ser organizada no mundo árabe seria uma oportunidade para o intercâmbio de culturas, considerando a riqueza que essa região reúne. Defender o respeito pelos princípios dos direitos da humanidade não é a imposição de um modelo ocidental sobre a cultura da península arábica. Não devemos, contudo, acreditar que o Estado do Qatar, sendo um território confessional, tem a prerrogativa de sobrepor direitos elementares pela existência do direito islâmico. Na Europa, o Reino Unido é outro Estado confessional, não sendo essa característica, vista sinónimo de desrespeito. O jogo justo, que a FIFA defende, não pode estar limitado aos relvados, nem a federação pode alegar isenção política para permitir atropelos aos valores fundamentais da humanidade.
A discussão que o Mundial tem espoletado é sinal de que as prerrogativas que o futebol gozava não são, felizmente, garantidas. No debate sobre a prova, o desporto tem a oportunidade de angariar mais adeptos que não estejam apenas interessados nos golos da seleção nacional. As modalidades não precisam despertar unanimidade na população, paixões unitárias ou massas avassaladoras. O desporto deve, primando sempre pelos valores da sociedade moderna, encontrar um papel duradouro nas nossas vidas. Dessa forma, os seus profissionais, dentro e fora das universidades, terão o seu papel reforçado, a sua missão assegurada e os seus princípios defendidos.