Como todas as minhas crónicas, esta não é partidária, mas também não é apolítica, porque nada em nós é apolítico. É sobretudo uma crónica que a minha consciência diz que devo escrever e que é motivada pela atualidade e pela onda de reações machistas, misóginas e estúpidas que tive de aguentar durante a última semana a propósito do acordo parlamentar com o PAN.
Como ponto de ordem, quero primeiro deixar claro que os valores da democracia são-me muito caros, e que, nesse sentido, todas as prerrogativas que o sistema democrático permite são para mim legítimas, sejam elas estabelecidas à direita, à esquerda ou ao centro. Não vou aumentar o coro de indignados que só aceitam acordos à esquerda e que os consideram quase criminosos quando envolvem outras ideologias. Não, meus amigos, a democracia é para todos e não feudo de alguns. Caso contrário, deixaria de ser democracia.
Mas esta semana serviu para deixar a nu que ainda existe muito marialva montado num machismo mal disfarçado, num desconforto retrógrado em relação às mulheres, num provincianismo balofo e numa suposta superioridade do macho que vem ao de cima quando em causa está o poder. Ou seja, enquanto a coisa fica no plano do discurso, nenhum mal vem ao mundo, mas quando uma mulher, ainda por cima jovem e progressista, tira o palco aos machos de barba rija, é vê-los saírem debaixo das pedras e alçarem a perna para marcar território. Gente para quem, lá no fundo, o lugar da mulher é em casa, ou então no cartaz de campanha para enfeitar ou preencher essa coisa chata e maçadora das quotas.
Isto para dizer que a forma como muitos se têm manifestado contra o acordo com o PAN é reveladora do quanto as bandeiras do PAN, entre as quais a igualdade de género, fazem falta, seja no parlamento, seja no Governo, seja dentro da cabeça de cada misógino e machista disfarçado de progressista que ainda circula na nossa polis.
Gostaria de saber se as reações acaloradas desta semana seriam as mesmas se o acordo tivesse sido feito com um gajo de barba rija? Se ainda estaria a ler coisas como, e cito, "abriu as pernas", "vendeu-se", "o que se chama uma mulher que se vende?"
A pergunta é meramente retórica, porque, infelizmente, eu sei a resposta, embora os acordos sejam legítimos por parte de quem ganha eleições, mesmo que esses acordos sejam feitos com uma Mulher.
Por isso, são infames todos os que deixaram vir ao de cima o marialva que vive dentro de cada machista mal disfarçado. São infames os que usam o argumento baixo e vil da sua verdadeira natureza anti-democrática e misógina.
Por mim, numa sociedade que se revela como se revelou esta semana, as bandeiras do PAN são necessárias, desde a igualdade de género, à liberdade sexual, passando pela defesa dos animais, que também tem servido para comparações tolas. Aliás, devo dizer que a visão antropocêntrica do mundo, que considera a criação feita exclusivamente e unicamente para os humanos, é o que está a lixar o planeta, o único que temos. Um verdadeiro salto civilizacional é uma política justa para todos, uma política em defesa de todos, incluindo animais e natureza.
O que vimos não foi isto. O nível de cidadania, de democracia e de evolução na igualdade de género a que assistimos, torna a inclusão do PAN no nosso quadro parlamentar e no acordo governativo não apenas como uma necessidade política de uma maioria, mas uma necessidade civilizacional numa sociedade ainda com muitos fantasmas no armário.