Trago, hoje, palavras brancas, palavras com perfume a flores de jardim, palavras vestidas com a inocência possível que a primavera (ainda) evoca.
Trago palavras antigas, daquelas que nos dão colo e nos salvam de todos os pecados. Trago a palavra mãe e a palavra luz, a palavra mar e a palavra sim, a palavra pai e a palavra mão. Trago a doçura das coisas simples, dos rebuçados dos arraiais, dos sorvetes da Barreirinha, das cerejas colhidas nas orelhas, dos risos dos miúdos quando toca para o recreio.
Trago as palavras que trafico, no meio dos desencantos e das inquietações. Tento (e muitas vezes, é só isso: uma tentativa) acender pirilampos nestas noites dos homens que nos foram dadas viver. Tento levar o (pouco) que tenho a quem tem menos do que eu. Tento (e muitas vezes, e só isso: uma tentativa) que as minhas palavras (estas que agora escrevo) acordem o que (ainda) resta da verdade do que somos. Tento (e muitas vezes, e só isso: uma tentativa).
E penso em Maria, a mulher das palavras caladas e do colo pronto. Penso nas pessoas da minha história que me ensinaram que o amor é sempre um lugar possível. Penso nos que amei e que já não estão. Penso nos que estão e que, apesar de todas as coisas, teimam em aplanar o chão em que caminho. Penso em mim e na minha voz. Penso em si e na sua voz e no tanto que, juntos, podemos fazer para convocar, de novo, as palavras que podem vir a salvar o mundo.
Trago palavras e silêncio. É ele que me permite ouvir o que é preciso para, depois, dizer. É ele que deixa respirar os espaços que ficam depois de se ter dito muitas coisas. É ele que nos dá acesso aos sinais.
Trago palavras e silêncios. E, se às vezes me calo, é porque o que tenho para contar não vale a pena ser contado.
Trago palavras. Brancas. Antigas. Doces. Não tenho mais nada para entregar.